O governo federal fez o lançamento dos planos agrícolas para a safra
de 2012/2013, tanto para a agricultura comercial quanto para a familiar.
O Plano Safra consiste em uma política de crédito para os produtores
agrícolas e programas de investimento nos modelos agrários empresarial e
familiar.
O pacote destinado à agricultura familiar recebeu um total de R$22,3
bilhões, sendo R$ 18 bilhões para crédito de custeio e investimento à
agricultura familiar e R$ 4,3 bilhões para programas voltados à
assistência técnica e aquisição de alimentos.
“O plano é fraco”, avalia Guilherme Delgado, doutor em economia pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador aposentado do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
De acordo com o economista, crédito não é suficiente para atender as
demandas do campesinato. “Há uma timidez do governo de apresentar um
plano diferente. Os camponeses precisam mais que sobreviver e precisa
existir incentivos à cooperação. Se for somente dar crédito aos pequenos
agricultores, não há necessidade em se fazer dois planos distintos”,
critica.
“Para existir um plano efetivo, seria necessário um pacote de medidas
de caráter estrutural, que fomentassem a cooperação, a agroecologia, a
agricultura familiar e a infraestrutura das propriedades. Nada disso
está no plano porque não se pensa que essas medidas possam fazer um
diferencial”, acredita Delgado.
Segundo o dirigente do MST, Alexandre Conceição, o principal problema
do plano é que ele reforça a estrutura fundiária concentrada. “A
agricultura familiar só existe porque houve desconcentração de terra e o
surgimento de pequenos produtores capazes de produzir. Nesse sentido, a
Reforma Agrária está completamente esquecida no plano. O agronegócio,
graças ao investimento do governo, continua avançando e expulsando os
produtores do campo”, afirma.
“O número de pequenos produtores diminui ano a ano graças à política
de fortalecimento do agronegócio. Se o governo não trabalhar na
desconcentração de terras, o crédito vai beneficiar cada vez menos
pessoas. As 186 mil famílias acampadas poderiam dar volume à agricultura
familiar e obter os recursos do plano safra para produzir. Novas
famílias precisam ser assentadas para fortalecer a pequena agricultura”,
propõe o dirigente do MST.
Crédito burocrático para os camponeses – A burocracia para conseguir recursos é um dos problemas do Plano
Safra. Além de licenças ambientais e jurídicas da propriedade, a
obtenção do crédito passa pelos bancos, que fazem diversas demandas aos
agricultores, sendo a principal delas não estar endividado.
De acordo com Conceição, “há milhares de famílias que estão impedidas
de acessar recursos, inclusive desse plano, por conta das dívidas
passadas, que não foram renegociadas. É um crédito de difícil acesso
para a realidade dos assentados”.
A maior parte do crédito do plano é destinada ao Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que não atende as
necessidades de grande parcela dos camponeses e não altera a estrutura
agrária brasileira.
Segundo Delgado, “o Pronaf é uma peça de fomento para setores do
campesinato que tem uma produção mercantil estruturada. É uma tentativa
de integração deste campesinato no modelo de produção do agronegócio”.
A presidenta Dilma Rousseff anunciou, junto com o lançamento do
plano, a criação de uma Agência Técnica e Extensão Rural para
desenvolver pesquisa e tecnologia para a pequena agricultura.
Conceição considera a medida importante e cobra a participação dos
movimentos. “A construção dessa agência deve ser feita com o conjunto da
sociedade e dos movimentos sociais. Queremos uma assistência técnica
continuada e com recursos, elaborada de acordo com a dinâmica de cada
comunidade”.
O dirigente do MST pondera que ainda não existe nada de concreto e
coloca a necessidade da formação de técnicos agrícolas, agrônomos e
engenheiros florestais dentro de uma matriz tecnológica distinta do
agronegócio. “É um debate que está no começo e que deve ser feito a
partir das necessidades dos trabalhadores rurais do campo. Essa agência
não pode ser uma assistência com técnicos formados com a lógica do
agronegócio, que chegam para produzir com alta quantidade de veneno e
compra de sementes das transnacionais”.
Facilidades para a agricultura empresarial – O plano para a agricultura comercial, cujos beneficiários são
majoritariamente o setor do agronegócio, recebeu R$ 115,25 bilhões.
Houve um aumento de 7% do montante recebido ano passado. Do total, R$
28,25 bilhões serão destinados para investimentos e R$ 86,95 para
financiamento de custeio e comercialização.
De acordo com Delgado, “o Plano Safra da agricultura comercial vem
para fazer com que o setor primário, caracterizado pela exportação das
commodities agrícolas e majoritariamente ligado ao setor privado, cresça
por meio do investimento público. O crédito rural cresceu muito nos
últimos anos e as políticas de preços mínimos expandiram o setor
primário do agronegócio.”
O pesquisador observa, no entanto, que apesar do orçamento ser o
maior de todos os tempos, há uma queda no ritmo de crescimento. “O
incremento no crédito deste ano apresenta desaceleração. De 2000 até o
ano passado, o crescimento da quantidade de crédito era no mínimo de 9%.
Em 2011, o aumento foi de 13%. Isso mostra que embora a prioridade do
setor primário na economia seja forte, há desaceleração devido ao
aumento dos preços da commodities”.
Dinheiro para especulação – Conceição avalia que não há restrições burocráticas para que os
latifundiários obtenham o crédito, enquanto os camponeses enfrentam
diversas restrições. “O plano do agronegócio tem uma estrutura jurídica e
bancária pronta para os produtores pegarem os recursos e utilizarem da
forma que querem, inclusive renegociando as suas dívidas com os bancos”,
afirma.
Grande parte do crédito alimenta o mercado financeiro, com medidas
como a compra e venda antecipada de safras por terceiro nas bolsas de
valores. Ou seja, recursos públicos entram na ciranda da especulação
financeira.
“É uma política lamentável do governo, que trata alimentos como
mercadoria, fortalecendo o modelo especulativo. Vai ser uma farra para
os ruralistas durante toda a safra a especulação do eucalipto, da soja,
da cana, do etanol”, prevê Conceição.
“A produção brasileira se baseia em commodities, que servem
justamente para especulação financeira nas bolsas e para enriquecer as
empresas do agronegócio. Depois do anúncio do crédito, é provável que as
próximas safras já tenham sido vendidas, sem que a plantação tenha
sequer começado”, complementa. Para ele, “o Brasil precisa de capital
produtivo para desenvolver o país, e não investimentos no financeiro. É a
produção que faz o país crescer”.
Sem agrotóxicos – O plano destinado aos grandes produtores também conta com programas
que incentivam a produção de produtos orgânicos. O texto do plano afirma
que “é crescente a preocupação da população com a qualidade dos
alimentos e os impactos sociais e ambientais dos sistemas de produção
convencionais. Tem ocorrido um grande aumento na demanda por produtos
considerados limpos, de maior valor nutritivo e produzidos com respeito
ao meio ambiente e com justiça social”.
Para Delgado, a baixa das commodities leva setores do agronegócio a
ocupar esse filão do mercado. “Há uma busca de nichos alternativos
devido à queda dos preços nas commodities. O setor do agronegócio que
prega a produção de orgânicos começa a ganhar força”, avalia o
economista.
Dados do plano apontam que o mercado mundial da agricultura orgânica
supera 80 bilhões de dólares anuais. No Brasil, a comercialização anual
de produtos orgânicos é de R$ 500 milhões.
De acordo com Conceição, a preocupação dos grandes produtores não
está na preservação ambiental, e sim no lucro. “O agronegócio não se
preocupa com o meio ambiente. Estão preocupados com o lucro que a
produção de alimentos saudáveis vai trazer, pois o produto orgânico é
vendido mais caro. É para ter mais lucro e ter o discurso para a
sociedade de que eles produzem de forma sustentável que eles começam a
adotar essas estratégias”, diz o dirigente do MST.
Ele avalia que o agronegócio quer ter um “discurso sustentável”, mas
não tem condições de mudar estruturalmente seu modo de produção
desmatador, como demonstra a pressão pelas mudanças no Código Florestal.
“Basta ver como o agronegócio produz: grandes extensões de terra,
expulsão dos trabalhadores, monocultivos, veneno e máquinas. Essa
produção não é nada ecológica”, acredita.