Os seus colaboradores já encontraram um título para ele. “É o presidente
dos paraguaios”, dizem, para diferenciá-lo do cargo de presidente do
Paraguai que Fernando Lugo perdeu com a destituição de sexta-feira pelas
mãos do Congresso. Domingo à noite, em entrevista ao Página/12, Lugo
resumiu seu plano deste modo: “Resistência pacífica e não reconhecimento
da presidência que se instalou depois do golpe de Estado”. Lugo parece
mais animado do que estava na quinta, quando seu então vice, Federico
Franco, o substituiu na Presidência. Parte de sua estratégia é interna e
parte parece consistir em sua instalação internacional para
fortalecer-se também entre os paraguaios.
Franco também procura
agir nestes dois planos, a ponto de dizer ontem que Lugo é a única
pessoa que pode evitar o conflito internacional. É uma forma de se
referir aos problemas que experimenta o governo pelas crescentes medidas
de castigo, começando pela já decidida suspensão do Mercosul. “Te
cospem na cara e, ao mesmo tempo, te chamam de lindo”, disse Lugo ao
Página/12, comentando a declaração de Franco.
Você percebe que Franco o torna responsável de qualquer represália que o Paraguai receba?
Não
são castigos ao Paraguai. Estamos frente a um grande movimento de
solidariedade internacional do qual participa teu país. A Argentina é um
país irmão, vizinho e muito próximo, que conhecem muito bem a realidade
paraguaia.
Retirou Rafael Romá, o embaixador.
Fez
o que dentro de sua soberania considerou que seria útil para a
liberdade e a soberania de um país que quer a democracia como o
Paraguai.
E se a solidariedade se converter em problemas cotidianos, como você reagirá?
Infelizmente,
muitos inocentes poderão sofrer as consequências. Eu quero o melhor
para o Paraguai. Por isso, rechaçamos o regime.
Na madrugada de domingo, frente ao edifício da televisão pública, você falou de resistência pacífica. Essa será a tática?
Sim.
Já começamos a resistência pacífica e não reconhecemos a presidência
que se instalou depois do golpe de Estado parlamentar. E começam a
surgir as manifestações de cidadãos e cidadãs. Elas crescem, são
pacíficas e se expressam contra o que o parlamento decidiu naquela
sexta-feira sombria. Também vamos realizar uma reunião de gabinete.
Quando?
Às
seis da manhã (de segunda). Participarão dela todos os colaboradores do
meu gabinete, quando estávamos no palácio de governo.
Ao
se despedir dos chanceleres da Unasul, você disse que voltaria a seu
trabalho político junto às bases. Foi o que relatou o chanceler Héctor
Timerman ao Página/12.
E já começamos a fazer isso. Vamos unir forças com os movimentos sociais e sindicais.
Sempre dentro da ideia de não-violência?
Sim. Sempre.
Por isso, na sexta, quando o destituíram, teve uma atitude pacífica?
Sim.
Nos submetemos ao julgamento político parlamentar e aceitamos o
veredito para evitar derramamento de sangue. Somos contra todo tipo de
violência e esse dia pressagiava violência e repressão. Hoje, já com o
espírito sereno, as manifestações cidadãs são exemplares, o que ser
visto nas ruas ou nas transmissões do Canal 13 do Paraguai e como o faz a
televisão pública.
É uma forma de ação política que será repetida no interior do Paraguai?
Exato.
E estamos serenos para essa tarefa. Esse é o motivo pelo qual a nossa
atitude de sexta-feira foi ponderada por muita gente. No Paraguai há
muita violência. Na sexta, os mercadores da morte estavam rondando. O
julgamento era injusto, descabido e sem argumento, mas era preciso
reagir como fizemos. Era a melhor coisa a fazer.
O dinamismo de sua atividade aumentará?
Estamos
saindo nos comunicando com a cidadania. Hoje tivemos uma série de
reuniões com líderes sociais e políticos. O rechaço crescerá. Estou
seguro disso. Haverá uma consolidação do rechaço à presidência que
surgiu da destituição.
Franco insiste que o Congresso só
aplicou um artigo da Constituição, que fala de procedimentos e não de
prazos para o julgamento político do presidente.
Sobre
isso, gostaria de destacar o que disse o presidente da Colômbia, Juan
Manuel Santos. A ferramenta do julgamento político é válida do ponto de
vista jurídico e constitucional, mas os congressistas exageraram na
forma.
Os congressistas poderiam dizer que votaram com maioria qualificada.
É um simples acordo de cúpulas feito pelo pelos dirigentes dos partidos tradicionais.
Em
sua primeira aparição pública após ter sido destituído, você disse que
havia setores políticos vinculados ao narcotráfico. A quem estava se
referindo?
Há muitos parlamentares acusados de ter uma
grande participação em negócios ilícitos. O narcotráfico está dentro de
alguns setores da política. Há investigações que foram publicadas,
denúncias…
Os próximos passos
Nosso projeto é
reforçar a presença política de Fernando Lugo, disse ao Página/12, após a
entrevista, um colaborador que pediu para não ser identificado. A
análise otimista dos partidários de Lugo indica que Franco não
conseguirá impor a ideia de que o responsável pelo eventual isolamento
do Paraguai é o presidente derrubado. “Temos isso muito claro, não vemos
um perigo nesse tema”, é a opinião geral. Outro ponto considerado pelos
dirigentes próximos ao ex-presidente é que, como disse um deles, “virão
tempos difíceis para o setor importador e também para o setor
exportador”. “Os setores fáticos ficarão em má situação, cada vez pior”,
disse. No Paraguai, assim como na Espanha, quando alguém fala dos
“poderes fáticos”, está usando a expressão no mesmo sentido que
“establishment” é usado na Argentina.
O núncio apostólico foi o
primeiro representante diplomático estrangeiro a se reunir com Franco.
Em outro setor da Igreja Católica, porém, o monsenhor Melanio Medina,
bispo de Missiones e Ñeembucú, ironizou ontem em sua homilia o novo
presidente: “Pobre Franco, em que confusão está metido, porque a
estrutura parlamentar e capitalista não vai permitir que ele faça nada”.
Disse ainda que a destituição foi “um golpe do Parlamento” e que Lugo
foi afastado por “querer lutar a favor dos pobres”.
Medina
também incursionou na análise diplomática. “No melhor dos casos, mais
adiante se acerta a relação bilateral, mas se cortarão o gás e os
combustíveis que o país compra da Argentina”, disse. Além disso,
atribuiu o assassinato de onze camponeses e seis policiais em Curuguaty à
cobiça dos proprietários de terras. Citou Blas Riquelme, dono de mais
de 40 mil hectares.
A fronteira da soja se expande frequentemente
no Paraguai, assim como ocorre em Santa Fé ou Santiago del Estero (na
Argentina), com disparos para amedrontar ou atacar diretamente os
pequenos proprietários de terra. Segundo Medina, tanto no Paraguai como
na América Latina inteira há dois modelos: “O que busca a igualdade
social e o capitalismo que só quer acumular fortunas e que não tem
nenhuma preocupação com a situação dos pobres”.
As declarações de
Lugo ao Página/12, os comentários de seus colaboradores e o testemunho
do bispo Medina parecem marcar a busca, por parte de Lugo, da
popularidade que teve em seu primeiro ano de governo, em 2008, e que foi
perdendo, apesar das políticas sociais e do aumento do gasto em saúde.
Desde
que começou a série de discursos, a maioria de militantes de base, na
frente do edifício da televisão pública, a questão da saúde foi uma das
mais repetidas entre os argumentos em defesa de Lugo, Neste mesmo lugar,
na madrugada de domingo, o próprio Lugo apareceu e ali mesmo houve um
indício da política que quer afastar Franco. Também pela madrugada
apareceu uma pessoa de uns 35 anos, sorridente, que manifestou desejo de
participar das sessões de microfone aberto. Afirmou chamar-se Cristian
Saguier e comunicou que era o chefe da nova direção da televisão
pública. Anunciou que o governo não suprimiria o programa Microfone
Aberto e que estava ali para “celebrar a discussão pública”.
Esse
lugar pode ser um dos pontos de observação da política paraguaia. Por
um lado, e para além do nível de audiência, mais baixo que o dos canais
privados, Franco quer preservar a imagem de um Paraguai democrático, de
um país que não incorreu na ruptura da ordem constitucional. Por outro,
está embretado pela mesma realidade: mesmo com audiência menor, o
programa é uma referência. O resto depende do que Lugo e os setores que o
apoiam consigam fazer daqui até as eleições de 2013.