Mobilidade para todos, é possível?

Se há um tema mais popular que o futebol no Brasil é o
da mobilidade urbana. A maioria das pessoas nas conversas de bar, nos
escritórios, em casa tem uma opinião a respeito de como melhorar o
trânsito, os transportes coletivos, as calçadas, as bicicletas etc.
Hoje, cidades médias e mesmo as pequenas já conhecem engarrafamentos
diários. E nos grandes centros e cidades médias, os automóveis são
responsáveis diretos pela baixa velocidade, aumentos dos custos das
passagens dos ônibus.

Os congestionamentos constituem um fenômeno
que vem se acumulando desde que a indústria automobilística se instalou
no País nos final dos anos 1950, sempre beneficiada pelo poder público.
Recentemente, as benesses do poder público vêm crescendo. Desde o
início da crise internacional, em 2008, o governo federal,
principalmente, mas também os governos paulista e mineiro injetaram
recursos da ordem de R$ 14 bilhões para ajudar os bancos da indústria
automobilística. Em maio de 2012, o ministro da Fazenda, Guido Mantega,
anunciou nova renúncia fiscal em favor do setor, zerando o Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI); desta vez, os cofres federais deixarão
de arrecadar R$ 900 milhões nos três meses que durará a medida.

E,
pior, o setor continua pressionando os governos – como se vê, com
sucesso – para efetivar uma política de proteção do seu mercado, com
subsídio ao preço da gasolina, diretamente ou via renuncia fiscal da
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE/Combustíveis) em
mais de R$ 3 bilhões anuais. Além disso, nos últimos anos, o governo
federal elevou o preço do diesel a um índice mais de cinco vezes
superior ao índice utilizado para a majoração do preço da gasolina,
resultando disso um sobrelucro de R$ 2 bilhões anuais para a Petrobrás,
pago, via tarifas dos ônibus, pelos usuários que dependem do transporte
público.

O mais interessante é observar que a maior beneficiária
dessa política, a indústria automobilística, age como se não tivesse
nada a ver com a crise de mobilidade, marcada por um espaço viário
urbano abarrotado e pela demora nos deslocamentos nas cidades, que
alcança hoje todas as classes sociais e começa a deixar a mesa dos
técnicos para ir aos gabinetes de prefeitos e governadores e mesmo para a
Presidência da República.

O governo federal e vários governos
estaduais estão dando os primeiros sinais de reação a esse quadro
respondendo primeiro à pressão social dos movimentos populares. Em
segundo lugar à crise de mobilidade, filha do modelo que universaliza a
propriedade e o uso do automóvel, e que gerou um enorme crescimento da
frota em plena crise mundial da indústria automobilística internacional.
Também contribuíram as exigências da FIFA de que os investimentos em
mobilidade da Copa 2014 devessem esquecer obras viárias para automóveis,
concentrando-se exclusivamente em transportes público, calçadas
acessíveis e sistemas para circulação das bicicletas.

Essa
reação levou o poder público a destinar recursos para sistemas
estruturais de transportes públicos sobre trilhos e corredores
exclusivos de ônibus dotados de sistemas inteligentes de controle da
frota, monitoramento da circulação e informação aos usuários (conhecidos
internacionalmente como Bus Rapid Transit ou BRTs).

Do Governo
Federal estão previstos no PAC da Copa (R$11,8 bilhões) e do PAC da
Mobilidade – Grandes Cidades (R$32,7 bilhões), com recursos do Orçamento
Geral da União (OGU), para empréstimos a Estados, Municípios e setor
privado, e contrapartidas estaduais e municipais. No mesmo sentido,
estão previstos investimentos dos governos de Estado de São Paulo (R$45
bilhões) e do Rio de Janeiro (R$ 10 bilhões). Espera-se que num período
de três a seis anos esses sistemas estejam em operação consumindo da
ordem de 100 bilhões de recursos públicos atendendo direta e
indiretamente mais de 50 grandes cidades.

A sociedade precisa
estar atenta e mobilizada, pois recursos alocados não significam
sistemas de transportes operando, temos visto na história, obras
inacabadas como o metrô de Salvador há 12 anos construindo 6
quilômetros. Deve-se também perguntar ao governo federal se sua política
industrial de enfrentamento da crise continuará a ser a de promover
novos incentivos a indústria automobilística sem exigir dela nenhuma
contrapartida a não ser garantir empregos de metalúrgicos e incentivar o
consumo de automóveis que traz poluição, efeito estufa, e aumento dos
custos urbanos.

O sonho de uma era pós-automóvel é perfeitamente
viável técnica e tecnologicamente sendo necessário fazer com que a
indústria automobilística, voluntariamente ou não, viabilize o
desenvolvimento tecnológico para energia limpa para os transportes
públicos. E também é viável sob o ponto de vista econômico constituindo
um fundo para investimento em transporte público, calçadas e ciclovias,
como define a Lei da Mobilidade Urbana [1] , em vigor desde abril
de 2012, com recursos provenientes de uma contribuição da venda de cada
automóvel, da taxação da gasolina e uma política de taxação dos
estacionamentos (com gestão pública) nas áreas centrais, e, ainda,
quando possível e recomendável, a implantação de sistemas de pedágio
urbano, como Londres e outras cidades estão fazendo.

Os
instrumentos estão dados, mas será preciso pressão social e a coragem
política dos governos para que se efetivem as promessas de investimentos
em sistemas estruturais e também para reduzir o custo social, ambiental
e econômico da presença tão massacrante nos automóveis em nossas
cidades.

[1] Lei 12.587 que Institui as Diretrizes da Política Nacional da Mobilidade Urbana de 3/01/2012

(*)
Nazareno Stanislau Affonso é coordenador Nacional do MDT – Movimento
Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para todos e
Coordenador do Escritório da ANTP em Brasília.

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