Em uma ação batizada
Rio + Leaks, a Cúpula dos Povos, evento paralelo a Rio + 20 que
acontecerá entre 15 e 23 de junho no Aterro do Flamengo, divulgou a
mais recente versão do documento que servirá de base para as
discussões da conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento
sustentável, que será realizada de 13 a 22 de junho no Riocentro. O
“rascunho zero” é distribuído apenas internamente na ONU e deve
sofrer mais uma revisão até chegar ao Rio.
A atual versão
do texto é um calhamaço de 80 páginas, intitulado “O Futuro que
Queremos” e dividido em seis seções: Visão Comum, Renovando
Compromissos Políticos, Economia Verde no Contexto do
Desenvolvimento Sustentável e da Erradicação da Pobreza, Moldura
Institucional para o Desenvolvimento Sustentável, Moldura para Ação
e Acompanhamento, e, finalmente, Formas de Implementação. Cada
seção desmembra-se em até 17 itens e 21 subitens, acomodando, por
exemplo, temas como “florestas” e “químicos e desperdícios”
dentro da seção Moldura para Ação e Acompanhamento.
Tanto
Iara Pietricovsky, antropóloga e ambientalista que participará da
Rio + 20 e da Cúpula dos Povos; como Sergio Ricardo, ecologista da
Rede Brasileira de Justiça Ambiental, leram e reprovaram o
pré-documento. A antropóloga vê uma linguagem preparada para “uma
consolidação de uma tendência mais privatista do sistema global”.
Por sua vez, Ricardo avalia o texto como o caminho para carimbar a
conferência como “Rio menos 20”. “A crise ecológica se
aprofundou da Eco 92 para cá. O planeta perdeu muito nesses 20 anos,
e isso não consta do documento. Ele deveria partir de um balanço do
que aconteceu. É uma omissão!”, diz.
Nuances perigosas –
Segundo Iara, com a linguagem do texto aliviada em relação à Eco
92 e a rascunhos anteriores da Rio + 20, ao invés de “os países
têm que realizar” entra “os países reconhecem a importância”,
tirando a obrigação dos estados e estendendo tapetes vermelhos para
o setor privado através de parcerias. A ambientalista aponta o
conteúdo do item C, “Englobando Grupos de Discussão e Outros
Conjuntos de Interessados”, da segunda seção, “Renovando
Compromissos Políticos”, como um dos exemplos mais explícitos da
substituição dos direitos consignados pela maioria dos países para
os novos arranjos que desembocarão em vantagens comerciais de apenas
alguns atores.
Ela cita o trecho “nós encorajamos novas
parcerias público-privada para mobilizarmos significativos fundos
para complementação de políticas”, ou ainda, “o governo deve
dar suporte as iniciativas que promovem e contribuem para o setor
privado”, como “pérolas” do novo rascunho.
Diferenciações
– Iara também realça a quase supressão das Responsabilidades
Iguais Porém Diferenciadas (CBDR, em inglês), uma das bandeiras da
Cúpula dos Povos, nas seções “Moldura para Ação e
Implementação” e “Formas de Implementação” do
desenvolvimento sustentável. “Isso é um princípio que saiu da
Eco 92 que é fundamental para que a mensuração e a mudança de
paradigma se faça, em especial, nos países ricos. Esse é um
princípio que vai dar as diferentes responsabilidades que os países
têm no processo. Porque uns têm que fazer muito mais que outros. E
se isso não se coloca, essa conta não vai ficar para os países
ricos, ainda mais por causa da crise que eles estão passando”,
afirma.
Pontos positivos – Para Iara, alguns pontos positivos
do texto estão mantidos porque existe grande intervenção dos
movimentos sociais. Ela cita “Igualdade de Gêneros e
Fortalecimento das Mulheres”, subitem da seção cinco, como um
deles. “A questão do direito sexual e reprodutivo das mulheres
está com uma linguagem mais própria, porque eles falam no direito reprodutivo, eles não usam a linguagem do direito
reprodutivo, que é completamente diferente”.
Na visão
de Sergio Ricardo, o que acontecerá de positivo é a capacidade de
mobilização internacional que a Cúpula dos Povos, mais que a
Rio + 20, está angariando. Assim, de acordo com o ecologista, “a
perspectiva da mobilização é muito forte. A metodologia de
convergência valoriza a diversidade dos grupos, mas ao mesmo tempo é
propositiva. Muitas propostas e experiências serão apresentadas
mostrando que é possível construir uma economia ecológica. Uma
economia que seja distributiva, solidária, descentralizada e
respeitando a diversidade e territórios dos povos”.