Ganhos reais superam os de 2011, apesar da atividade mais fraca

A queda da inflação, o aumento do salário mínimo e o mercado de trabalho
ainda aquecido ajudaram as negociações salariais deste início de ano e
garantiram aos trabalhadores aumentos reais de salário bem acima
daqueles conquistados em iguais meses de 2011, apesar da desaceleração
da economia doméstica e das preocupações crescentes com o cenário
externo.


O

Valor analisou 216 convenções coletivas entre as que foram
registradas no Ministério do Trabalho até 25 de maio, referentes a
categorias com data-base nos cinco primeiros meses do ano. A média de
ganho real negociada nesse intervalo quase dobrou, passando de 1,65%
entre janeiro e maio do ano passado para 3,06% em igual período deste
ano.


O recuo da inflação explica parte expressiva do aumento real dos
salários. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), utilizado
para deflacionar os salários, passou de 6,3% no acumulado em 12 meses
encerrados em abril de 2011 para 4,88% em igual período deste ano, um
recuo de mais de 1,4 ponto percentual. “Com a inflação mais baixa, é
mais fácil negociar um ganho real”, diz Fabio Romão, economista da LCA
Consultores.


O aumento real médio foi sustentado nos primeiros meses do ano. Começou
com 3,65% em janeiro (percentual influenciado pelo mínimo), mas se
manteve expressivo, com 1,59% em fevereiro, 2,91% em março, 2,06% em
abril e 2,17% em maio. Essa “robustez” não era esperada no início do
ano, diz Romão.


“Nós acreditávamos que as negociações garantiriam ganhos reais, mas a
inflação surpreendeu para menos e a manutenção da taxa de desemprego em
patamares historicamente muito baixos, a despeito de um cenário
econômico enfraquecido, preservou um ganho real ainda maior”, explica.


Salvo poucas exceções, como na construção, as categorias cuja data-base
incide no começo do ano têm menor tradição em campanhas salariais do que
aquelas que negociam no segundo semestre, como os metalúrgicos e
bancários. Por isso, muitas negociações tendem a seguir a valorização
real garantida pelo avanço de 14,1% do salário mínimo. A isso também se
soma o fato de o piso dessas categorias acompanhar o piso nacional, o
que leva os empresários a pagar índices mais altos de reajuste.


“O efeito do salário mínimo continua influenciando as negociações,
sobretudo para as categorias que têm um piso salarial referenciado no
mínimo – e não são poucas”, diz José Silvestre, coordenador de relações
sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese).


Ele acredita que maio é um mês termômetro para o primeiro semestre,
quando negociam categorias ligadas ao setor de transportes no país
inteiro. Na semana passada, os metroviários em São Paulo fizeram uma
greve de um dia por um reajuste de 6,17%, o que representa 1,2% de ganho
real, deflacionado pelo INPC.


Romão acredita que a falta de mão de obra qualificada aumenta ainda mais
o poder de barganha do trabalhador num momento em que a taxa de
desemprego calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), de 6,0% em abril, permanece baixa. “Não falta no
mercado de trabalho apenas quem tenha ensino superior. Em alguns
setores, falta quem tenha treinamento específico para aquele ramo, falta
gente com ensino técnico”, avalia.


No setor da construção civil, o reajuste de 7,47% negociado em São Paulo
representou um aumento real de 2,47%, menor que o índice acertado em
2011, de 3,25%. Os resultados apresentados pelo setor no primeiro
trimestre, com um número maior de cancelamentos de contratos
imobiliários, também pautaram as negociações.


Haruo Ishikawa, diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil do
Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), chama a atenção para a relação
entre custo e retorno do trabalhador. “O custo da mão de obra está
aumentando. Com o boom do setor, foi preciso contratar muito, mas a
produtividade caiu. Quando o salto no estoque de mão de obra é muito
grande, é inevitável que aumente também a mão de obra menos
especializada e menos produtiva”, diz ele.


De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, 24% das
vagas formais criadas no país em 2012, até abril, foram na construção
civil. As negociações salariais de trabalhadores da categoria estão em
andamento em vários Estados, como no Espírito Santo, onde a greve – por
um reajuste equivalente aos 14% do piso nacional – dura mais de 20 dias.


Sem condições de reajustar os salários de toda a categoria em 14%, a
indústria calçadista de Franca, no interior de São Paulo, negociou uma
valorização mais forte do piso frente a um reajuste menor para os demais
trabalhadores. “O critério utilizado pelo governo não era a nossa
realidade. O setor não suportaria um reajuste tão alto para toda a
cadeia”, explica Lázaro Reinaldi, do sindicato patronal. A categoria
conquistou um aumento nominal de 7,63%, que inclui ganho real de 1,9%. A
compensação garantida foi uma valorização, apenas no piso, de 12%.


Para Silvestre, do Dieese, reajustes ainda mais robustos devem ser
negociados no segundo semestre devido à espera por uma retomada da
atividade econômica. “Esses números altos [do início de 2012] apontam
uma tendência. O setor empresarial trabalha muito com as expectativas na
hora de negociar”.


A LCA projeta que o rendimento real médio do trabalhador cresça 3,9% em
2012, na comparação com o ano passado. “Desde o segundo semestre de
2011, a ocupação cresce a taxas mais controladas. A ocupação, sim,
sentiu os efeitos da atividade econômica enfraquecida, mas a renda não”,
afirma Romão.

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