Conflitos no campo cresceram em 2011

A incidência de conflitos e ações violentas contra trabalhadores rurais e povos tradicionais brasileiros cresceu 15% entre 2010 e 2011. É o que revela a 27ª edição do relatório Conflitos no Campo Brasil 2011, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) dia 7 de maio.

Entre os principais dados compilados na publicação, são os relacionados aos conflitos por terra (como expulsões, despejos e ameaças de pistoleiros) que mais chamam atenção: de 835, registrados em 2010, subiram para 1.035 em 2011, o que representa um aumento de 24%. O número de famílias envolvidas também aumentou, de 70.387 para 91.735.

Embora o número de assassinatos tenha diminuído (de 34 para 29), os casos de ameaças de morte cresceram consideravelmente no período. Enquanto em 2010 foram 125 casos, no ano passado o índice saltou para 347 – um crescimento de 177,6%. Do total de ameaçados, 72% são indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros integrantes de comunidades tradicionais, sobretudo dos estados que compõem a Amazônia Legal. É o caso de Laísa Santos Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo e cunhada de José Cláudio Ribeiro da Silva, casal de extrativistas assassinado em uma emboscada no Pará em maio de 2011. Agora, Laísa também está sofrendo ameaças de morte.

“Minha irmã e meu cunhado denunciavam a situação de ameaça que viviam e sequer houve investigação, e hoje sentimos na pele que nossa cabeça também está a prêmio. Recebi há 15 dias ameaça de uma pessoa que recebeu uma multa do Ibama no assentamento onde moro. O governo sabe? Sabe. Há denúncias escritas, faladas. Seguimos nessa luta porque queremos viver na floresta”, relata.

Das 1035 ocorrências de conflitos por terra, 693 (ou 50,2%) foram de responsabilidade de grupos privados – representados por fazendeiros, madeireiros e empresários. Já a atuação do poder público (expressa no número de famílias despejadas) recuou 12,8%.

Na avaliação do professor Carlos Walter Porto Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a atuação do Poder Judiciário é mais repressora quando o protagonismo é dos movimentos sociais. “Isso mostra que a Justiça enxerga quem está julgando. Está em curso um processo de contrarreforma agrária, levado a cabo na lei e na marra. O conjunto das leis favorece a ocupação de terras para viabilizar o PAC, por exemplo. Mas o êxito econômico desse modelo agrário e agrícola, com pauta de exportação de 61% e reprimarização da economia, torna inevitável o processo de agravamento da violência”, denuncia.

Segundo o relatório, entre 1985 e 2011 foram registrados 1220 casos de assassinatos envolvendo 1616 vítimas. Destes, apenas 92 foram julgados, com 21 mandantes e 74 executores condenados.

Código Florestal e trabalho escravo – O caderno da CPT vem a público em meio a dois importantes debates diretamente relacionados aos rumos do campo brasileiro: a PEC 438, que trata da expropriação das terras usadas para exploração de trabalho em condição análoga à escravidão, e o novo Código Florestal, aprovado no final de abril na Câmara dos Deputados.

“Infelizmente, este Código aprovado não prima pela ética, ele visa o lucro. Se não for vetado, nossos livros se tornarão ainda mais pesados que o atual”, aponta o secretário geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner. Para o religioso, se o projeto ficar como está, a violência no campo aumentará. “Porque não pune aqueles que desmataram, gerando insegurança jurídica, o que pode aumentar bastante o conflito por disputa de terra”.

O número de ocorrências de trabalho escravo no meio rural aumentou 12,7% entre 2010 e 2011. Entre denúncias documentadas e flagrantes que resultaram em libertação, foram identificados no ano passado 230 casos, contra 204 em 2010. Também foi menor o número de trabalhadores libertos: 2.914, em 2010, 2.095, em 2011.

Detectado em 19 dos 27 estados da federação, a região Centro-Oeste é responsável pelas maiores taxas de crescimento do trabalho escravo. De 34 ocorrências em 2010, o número passou para 44 em 2011.

Do total geral de pessoas resgatadas da escravidão em 2011, 21% foram encontradas em atividades ligadas à pecuária; 19% ao corte da cana-de-açúcar; 18% à construção civil, 14% a outras lavouras; 11% à produção de carvão vegetal; 9% ao desmatamento e ao reflorestamento; 3% à extração de minério e 3% à indústria da confecção.

“Por detrás da grandiosidade e do brilho da produção e produtividade agrícolas nos diversos recantos deste país continental, que abastecem a economia globalizada com as commodities, vemos um mundo do trabalho manchado pelas cores do sofrimento, dor, ameaças, medo, indignidade, desrespeito aos direitos humanos”, afirma o relatório.

A CPT entregou o documento à ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o protocolou nos ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia e na Secretaria Geral da Presidência da República.

“Se, por um lado, o relatório expõe as marcas da violência que perduram no Brasil, por outro mostra a importância do povo organizado, que é o que muda a historia de um país”, avalia o conselheiro permanente da CPT, Dom Tomás Balduíno.

2012 – Somente nos quatro primeiros meses deste ano, 12 trabalhadores foram assassinados em conflitos no campo. No mesmo período do ano passado, haviam sido oito assassinados.

Expediente:
Presidente: Fabiano Moura • Secretária de Comunicação: Sandra Trajano  Jornalista ResponsávelBeatriz Albuquerque • Redação: Beatriz Albuquerque e Brunno Porto • Produção de audiovisual: Kevin Miguel •  Designer Bruno Lombardi