Na guerra das cisternas, 15 mil protestam no sertão contra governo

Cerca de 15 mil pessoas
se reuniram nesta terça-feira (20) no sertão nordestino, numa ponte
que liga Juazeiro, na Bahia, a Petrolina, em Pernambuco, para
protestar contra mudanças na política de construção de cisternas
no semi-árido, anunciada uma semana antes, há mais de 1,5 mil
quilômetro dali, em gabinetes federais, em Brasília (DF).

Provenientes dos regiões que enfrentam o martírio da seca –
e onde se concentram os maiores bolsões de miséria do país -,
essas pessoas atenderam ao chamado da Articulação do Semiárido
Brasileiro (ASA), uma rede que reúne cerca de duas mil entidades da
sociedade civil dos estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais.

O número de presentes, calculado pela Polícia Militar (PM)
de Pernambuco, surpreendeu os organizadores, que esperavam 10 mil
pessoas para um ato político seguido de manifestações artísticas
e culturais. Os manifestantes não só cumpriram a programação
original, como ainda pararam o trânsito na ponte.

Desde o
início do governo Lula, a ASA vinha executando – segundo ela, com
êxito – a política de construção de cisternas para o semi-árido,
região que concentra mais da metade da população pobre do país.
São 10 milhões de pessoas sem renda nenhuma ou que vivem apenas com
os benefícios sociais do governo. Outros cinco milhões vivem apenas
com um salário mínimo por mês.

Uma cisterna é uma espécie
de caixa dágua que permite armazenar água da chuva. O equipamento
se tornou um símbolo dos esforços iniciais do governo Lula, que
ainda em 2003 anunciara plano de construir um milhão de unidades.

A
construção das cisternas, associada às políticas de transferência
de renda do governo, ajudou a retirar milhares de pessoas da miséria
absoluta. Foram 371 mil cisternas de placas de cimento com capacidade
para estocar, cada uma, 16 mil litros de água para consumo humano,
que beneficiaram quase dois milhões de pessoas, de 1.076
municípios.

De 2008 até agora, a ASA recebeu R$ 600 milhões
do governo federal. Desde agosto, quando o contrato anterior estava
por vencer, a ASA tenta negociar um aditivo com o novo staff do
executivo federal. No dia 17 de agosto, o governo chegou a publicar
no Diário Oficial, compromisso de repasse de mais R$ 120 milhões,
que iriam beneficiar 165 mil pessoas.

Nesse meio tempo,
sucessivos escândalos envolvendo a relação do governo com ONGs
mudou o rumo da conversa, embora a ASA não tivesse envolvimento com
as denúncias que, insistentemente repetidas pela imprensa,
derrubaram ministros, com ou sem provas.

Na semana passada, o
Ministério do Desenvolvimento Social anunciou que irá priorizar as
parcerias com estados e municípios, descartando a ASA. Firmar
convênios de repasses de recursos só com órgãos públicos seria
uma forma de evitar problemas de desvios. A medida foi recebida, no
mínimo, com ressalvas, às vésperas de ano eleitoral e vem
repercutindo de forma negativa na imprensa e em pronunciamentos feito
por parlamentares.

A Conferência Nacional das Mulheres,
encerrada na última sexta-feira (16), aprovou moção de apoio à
manutenção da parceria com a ASA. A Conferência Nacional de
Soberania Alimentar, realizada há um mês, já reforçava a
importância do fortalecimento da política de construção de
cisternas entre as diretrizes deliberadas pelos delgados.

“Nós
entendemos que a União queira aprimorar suas relações com estados
e municípios. O que criticamos é que isso seja feito em detrimento
da parceria já estabelecida com a sociedade civil”, afirma, em tom
mais moderado, Alexandre Henrique Bezerra Pires, membro da
coordenação ASA em Pernambuco e coordenador-geral da ONG Sabiá.

A
reação imediata da Articulação foi contactar sua ampla rede de
organizações, incluindo igrejas, movimentos sociais, sindicatos e
ONGs, dentre outras, e, em menos de uma semana, organizar o protesto.
“Nós consideramos que o ato de hoje
(terça-feira)
foi uma grande demonstração de força e capacidade de mobilização”,
avalia Pires.

Cisternas
de plástico –
Além
de retirar a execução da política pública da responsabilidade da
ASA, o governo federal decidiu também abandonar a construção das
cisternas de placas de cimento, tecnologia simples e barata, até
então utilizada. Agora, a determinação é adquirir cisternas de
plástico, produzidas em centros industriais longínquos.

A
opção foi alvo de protestos veementes, inclusive do representante
da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no evento, o
bispo de Petrolina, D. Manoel dos Reis de Farias. As cisternas
plásticas são condenadas por questões ambientais, econômicas e,
inclusive, sociais.

A ASA afirma que o custo da opção
plástica é mais de 50% superior do que a de placas. Dados do
Ministério da Integração Nacional (MIN) apontam que cada cisterna
plástica custará aos cofres públicos R$ 5 mil, enquanto as
cisternas de placas saiam, em média, por R$ 2 mil.

Conforme
estudos da ASA, para cada dez mil cisternas de placas feitas, são
injetados R$ 20 milhões nos municípios, por meio da compra de
matéria-prima na região, contratação de pedreiros das comunidades
e impostos. Já as cisternas de plástico serão fabricadas por
indústrias e entregues nas comunidades rurais por empreiteiras,
gerando renda para uma parcela bem diferente da população.

Balanço
governamental –
A
construção das cisternas está prevista no Programa Água para
Todos, que faz parte do Programa Brasil sem Miséria, a menina dos
olhos da presidenta Dilma que, na semana passada, ao fazer o balanço
do Programa, ao lado da ministra Tereza Campello, divulgou que, só
este ano, foi viabilizada a construção de 315,2 mil cisternas,
sendo que 84,7 mil já foram construídas e entregues à
população.

A reportagem procurou o ministério para ouvir
comentários sobre a manifestação, mas foi informada de que a pasta
vai divulgar uma nota nesta quarta-feira (21).

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