ARTIGO: A tributação dos ricos

Por
Márcio Pors
chmann*

A
trajetória do desenvolvimento contempla a existência de um sistema
tributário progressivo. Ou seja, a presença de impostos, taxas e
contribuições que atuam em proporção maior com a elevação da
renda e riqueza. Assim, a justiça tributária se manifesta logo na
arrecadação do fundo público e se mantém na medida em que o gasto
governamental seja proporcionalmente maior com a redução da renda e
riqueza. Para se conhecer a eficiência do Estado, basta saber a
forma com que tributa a sociedade e redistribui o que arrecadou para
a população.

Pela tradição do subdesenvolvimento, a
capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente
maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece
na redistribuição do fundo público constituído por impostos,
taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a
parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior.

Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram
inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais
que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e
desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar
o debate acerca da eficiência do Estado.

Para se conhecer a
eficiência do Estado, basta saber a forma de tributar e redistribuir
para a população

Na virada do século XXI, o governo
brasileiro demonstrou considerável interesse em elevar a qualidade
do gasto social, o que permitiu melhorar o tratamento dos segmentos
sociais mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Por
diversas modalidades de atuação das políticas públicas os
segmentos de menor renda terminaram ampliando a absorção do fundo
público.

O impacto distributivo do Estado brasileiro se
mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda
de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de
Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se
desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto
da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas
de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade
seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009).

Em
síntese, constata-se uma positiva contribuição recente do Estado
no tratamento da desigualdade da renda, especialmente pelo lado da
redistribuição do fundo público arrecadado. Mas falta ainda, por
outro lado, avançar na qualidade da arrecadação tributária, que
permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa
renda.

Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de
driblar o conjunto dos tributos. Um bom exemplo disso pode ser
observado na marcha da sonegação fiscal existente no Brasil.
Inicialmente pela ausência de tributação nas aplicações
financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior,
sobretudo nos chamados paraísos fiscais.

Em 2009, por
exemplo, somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos
fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais
Luxemburgo) existentes no mundo representaram mais de ¼ do total de
recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco
Central. A intransparência e, por que não dizer, escassa regulação
permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar
legalizados e com contida tributação. A ausência de uma taxação
internacional faz prevalecer a sistemática de poderosos e ricos
evadirem-se de suas contribuição ao fundo público.

Na
sequência, podem ser identificadas diversas modalidades existentes
no Brasil que facilitam a evasão fiscal. O contrabando nas
fronteiras e o exercício da informalidade consagram funcionalidade à
concorrência não-isonômica, ao mesmo tempo em que permitem que
riqueza existente deixe de ser tributada. O resultado disso tem sido
a concentração da renda e, sobretudo, da riqueza. Também nesse
sentido segue inalterado o curso da tributação sobre as grandes
fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público,
devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas
economias desenvolvidas.

No caso ainda do favorecimento aos
privilegiados e poderosos, cabe mencionar a baixa eficácia da
tributação direta nas três esferas do federalismo brasileiro. Em
relação ao imposto de renda da pessoa física, por exemplo, o Ipea
estima que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado, ao passo que
segmentos de maior renda podem financiar os seus gastos privados com
educação, saúde, previdência e assistência social por meio de
abatimentos na declaração anual. Só no financiamento da educação
privada, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 5 bilhões
daqueles que fizeram a declaração anual do Imposto de Renda em
2010.

Por fim, os tributos diretos sobre a propriedade rural
(ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez
que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por
latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à
contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se
também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores
(IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e
lanchas.

O adequado enfrentamento da injustiça tributária
atual impõe a elevação da eficiência do Estado, seja no formato
da arrecadação do fundo público como na sua redistribuição. Isso
implicaria abandonar o vergonhoso peso do Estado proporcionalmente
maior sobre os segmentos de menor rendimento, que transferem todo o
mês praticamente a metade do que recebem por força do esforço do
seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm
rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no
Brasil.

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