O Banco Central (BC) contou com o apoio da
presidente Dilma Rousseff para evitar que bancos liquidados nos anos
1990, após o Plano Real, consigam descontos que superam os R$ 35
bilhões em suas dívidas.
Os bancos tentaram incluir um
artigo na Medida Provisória nº 517, que trata da incidência de
Imposto de Renda, de incentivos para usinas nucleares e da renovação
da Marinha Mercante, para outro assunto: a dívida que eles assumiram
entre 1995 e 1998, quando foi instituído o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional
(Proer).
Pelo artigo, quatro bancos – Nacional, Econômico,
Banorte e Mercantil – poderiam pagar parte da dívida com créditos
que teriam contra o Fundo de Compensação de Variações Salariais
(FCVS). Essa parte equivale a R$ 28,9 bilhões.
Alertada pelo
BC e pela Advocacia-Geral da União (AGU), Dilma vetou o artigo em 24
de junho. Ao fazê-lo, evitou a concessão de mais um desconto para
os bancos que quebraram em meio a fraudes e má gestão.
Ao
todo, os bancos sob liquidação pelo Proer devem mais de R$ 61
bilhões. Em junho de 2010, eles conseguiram um desconto de R$ 18,6
bilhões. Esse abatimento veio do Congresso Nacional, que aprovou a
Lei do Refis dos Bancos (nº 12.249). Ela permitiu que pagassem as
dívidas com títulos públicos federais e deu descontos para
quitações à vista ou em parcelas de até 15 anos. Ou seja,
estendeu os débitos iniciais do Proer até 2025.
Após obter
esse abatimento em suas dívidas, os bancos tentaram conseguir mais
dois que, somados, chegariam a R$ 35,4 bilhões. “Os bancos
liquidados sempre pretenderam pagar as suas dívidas com ativos
podres e o BC sempre resistiu firmemente”, afirmou ao Valor o
procurador-geral do BC, Isaac Sidney. Segundo ele, a instituição
não vai perdoar nem fazer acordos para o pagamento dessas
dívidas.
A primeira tentativa foi feita diretamente ao BC. Os
bancos liquidados iniciaram um debate sobre a forma de amortização
da dívida. O BC sempre entendeu que essa quitação deve ser feita
primeiro sobre os encargos pactuados entre as partes. Ou seja, os
devedores devem pagar os juros, primeiro, e o principal da dívida,
depois.
Mas, os bancos propuseram uma nova forma de pagamento.
Eles informaram ao BC que pretendiam fazer primeiro o pagamento do
montante principal, deixando os juros para o fim. A conclusão do BC
foi a de que essa nova forma de pagamento levaria os bancos
liquidados a obter um desconto de R$ 6,5 bilhões.
A segunda
tentativa de obter descontos bilionários nas dívidas assumidas com
o Proer teve início no Congresso. Lá, as instituições sob
liquidação já haviam conseguido o desconto de R$ 18,6 bilhões com
a Lei do Refis dos Bancos. Essa lei foi aprovada, em junho de 2010,
com a conversão da MP nºº 472, que trouxe um artigo com 35
parágrafos tratando de parcelamentos de dívidas.
Inicialmente,
a MP tratava de incentivos para a indústria petrolífera do Nordeste
e da compra de computadores para escolas públicas. Ao fim, o texto
especificou o desconto bilionário para os bancos num artigo que
tinha tantos parágrafos (35) que era praticamente uma nova lei.
Um
ano depois, em junho passado, os bancos tentaram incluir um novo
desconto em outra MP – a nº 517, que também tratava de outros
assuntos. Em meio a disposições sobre usinas nucleares, banda larga
e fretes da Marinha, um artigo dessa MP previu que os créditos que
os bancos têm com o Fundo de Compensação de Variações Salariais
(FCVS) podem ser considerados títulos da dívida pública federal.
Juridicamente, isso significava que os bancos poderiam usar os
valores do FCVS para pagar as suas dívidas, inclusive a do
Proer.
Esse artigo foi vetado por Dilma e, com isso, evitou-se
um desconto adicional de R$ 28,9 bilhões na dívida dos quatro
bancos que ingressaram no Proer, nos anos 1990.
“O BC não
aceitou o FCVS por ser crédito incerto”, explicou Sidney.
Segundo ele, os bancos queriam enquadrar o FCVS como instrumento de
dívida pública, mas isso não é possível, pois esses créditos
estão em processo de reconhecimento.
“É preciso
esclarecer que o BC não está fazendo qualquer acordo com os bancos
liquidados”, enfatizou Sidney. O procurador-geral explicou que o
BC concedeu apenas os descontos determinados por lei, caso dos R$
18,4 bilhões da Lei do Refis dos Bancos. As demais formas de
descontos foram negadas.
“Os bancos liquidados, que já
foram aquinhoados com descontos legais bem generosos, ainda
pretendiam entregar créditos de FCVS ao BC. Essa proposta é
juridicamente inaceitável”, afirmou Sidney. “Receber
créditos ilíquidos para quitar dívidas do Proer equivaleria a um
perdão da dívida dos bancos liquidados sem autorização legal, o
que seria inadmissível”, concluiu