Agosto
de 2011. Somente um mês após a privatização do abastecimento de
água e esgoto, os moradores de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, se
surpreenderam. A maioria das contas sofreu aumento, contrariando as
promessas de redução da tarifa, feitas pela prefeitura e a empresa
Foz do Brasil, concessionária que assumiu os serviços. As
reclamações dos usuários foram parar na imprensa local. Houve caso
de morador que gastou apenas um metro cúbico de água e teve que
pagar R$ 33.
Antes, no mês de fevereiro, Santa Gertrudes,
cidade do interior de São Paulo, passou por situação semelhante. O
reajuste aplicado nas contas de água após a privatização do
serviço causou protestos entre os moradores. Há casos em que o
aumento chegou a 700%. Além dos aumentos abusivos nos preços, outra
coincidência: a empresa concessionária também é a Foz do Brasil,
braço do Grupo Odebrecht.
Mercadoria – Com a crescente
busca pela privatização no setor de água, o consumidor pode ter
mesmo pela frente contas mais altas. A avaliação é de organizações
sociais nacionais e internacionais que participaram, em julho, de
seminário que debateu como a população pode se organizar para
impedir a venda das empresas.
De acordo com representantes do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) 90% da rede de distribuição de água
no país são controlados por empresas públicas, com uma cobertura
de quase 100% das grandes e médias cidades.
Para o MAB, um negócio que não requer grandes
investimentos (já que conta com estruturas prontas, criadas com
dinheiro público) e movimenta anualmente cerca de R$ 120 bilhões –
mais que todo o setor elétrico – desperta o interesse da
iniciativa privada.
A elevação dos custos ocorreria pela própria
lógica do sistema privado, que adota um modelo de reajuste
estabelecido em preços internacionais. Representantes das
organizações preveem um aumento imediato nos preços, além de uma
diminuição dos investimentos no setor.
Os participantes do seminário denunciaram
práticas ilícitas em alguns estados do país. Em Rondônia, na
região norte, representantes do Sindicato dos Trabalhadores das
Empresas de Água e Energia afirmam que empresários assediam
vereadores.
A entidade também denuncia que, em alguns
municípios, as prefeituras têm desconsiderado processos legais,
como a licitação para a concessão do sistema de abastecimento,
exemplo ocorrido na cidade de Ariquemes. Contra a privatização, os
sindicalistas avaliam que as empresas privadas investirão menos na
ampliação da rede e, principalmente, em saneamento.
Guaratinguetá: inspiração para Atibaia
– Em maio deste ano informações dão conta de que o
Saneamento Ambiental de Atibaia (SAAE) começou a debater
internamente uma proposta de mudança no modelo de gestão do
saneamento básico.
Tomando como exemplo o padrão adotado na
cidade de Guaratinguetá (SP) o poder público atibaiense busca a
iniciativa privada para angariar recursos financeiros ao setor. A
justificativa é que, sozinho, não conseguirá alcançar metas de
saneamento básico previstas em lei federal (lei 1.445 de 2007) que
diz, por exemplo, que os serviços devem ser universalizados.
Na proposta, a Prefeitura tenta que a Câmara de
Atibaia aprove projeto de alteração de regime jurídico do SAAE (de
autarquia para empresa pública) o que possibilitaria, como em Guará,
a contratação de uma Parceria Público Privada (PPP).
O esforço da Prefeitura é tamanho que, em meados
de julho, antes de qualquer chamado para audiências públicas e com
atropelamento do tempo que deveria ser direcionado a estudos
minuciosos e debates amplos, o vice-prefeito em exercício, Ricardo
dos Santos Antonio (PT) solicitou sessão extraordinária no
Legislativo, em pleno recesso parlamentar, para votar a proposta.
A sessão foi recusada pelo presidente da Câmara,
vereador Emil Ono. No entanto, na próxima segunda-feira, 5, é
provável que o projeto seja votado pelos vereadores sem que algumas
repostas consistentes e definitivas.
No caso da alteração de regime, embora a direção
da empresa afirme que nada vai mudar para quem fez carreira no SAAE,
a modificação coloca condições diferentes nas relações de
trabalho, ameaçando empregos e direitos adquiridos, o que preocupa
funcionários e consumidores. Por exemplo, existe a súmula 390, do
Tribunal Superior do Trabalho (TST) que prevê a perda da
estabilidade dos funcionários concursados se houver a mudança para
regime de empresa pública.
Sobre as relações de consumo, se deixar de ser
uma autarquia, a empresa perderá a isenção de diversos impostos,
como PIS e Cofins, ligados à seguridade social. Essa diferença será
ou não repassada para as tarifas cobradas da população? Não se
sabe até o momento.
Guará: primeiro o esgoto; depois a água
– A Companhia de Serviço de Água, Esgoto e Resíduos de
Guaratinguetá (SAEG) é apontada pela atual administração
atibaiense como exemplo de solução para atingir metas da lei
federal de saneamento, bem como um instrumento capaz de sanar
finanças.
Em Guará, o argumento para a mudança e a entrada
do setor privado na gestão de saneamento era que o poder público
não teria condições econômico-financeiras de manter a instituição
após a sanção da lei federal em 2007.
Já em 2008, o Serviço Autônomo de Água, Esgoto
e Resíduos de Guaratinguetá (SAAEG) mudou o regime jurídico – de
autarquia para empresa de economia mista – tornou-se SAEG e
instalou uma PPP.
O Grupo Queiroz Galvão, detentor da Companhia
de Águas do Brasil (CAB Ambiental) em tese, seria a solução dos
problemas da antiga autarquia de Guará. Não é o que se vê.
No último dia 1 de junho, o prefeito de
Guaratinguetá, Junior Filippo (DEM) encaminhou à Câmara Municipal
do município um projeto de lei solicitando autorização legislativa
para a concessão da água na cidade. Trocando em miúdos, fazer da
água uma mercadoria a ser vendida à população sob a tutela da
iniciativa privada.
A alegação era de que a capacidade de
investimento de Guará é baixa, por isso a decisão de estreitar
relações com o setor privado. No dia 30 de junho, em sessão
ordinária, os vereadores votaram e aprovaram o texto “em regime de
urgência”, por oito votos a três.
A propósito, a CAB Ambiental é o elo das
propostas de Atibaia e Guaratinguetá. Além de já estar presente no
saneamento da SAEG de Guará, ela é quem fez o projeto de PPP para o
SAAE de Atibaia.
Justiça rescinde contrato da CAB no
Paraná – A Justiça de Paranaguá, no Paraná, determinou a
rescisão do contrato entre as empresas CAB Águas de Paranaguá S/A,
sub-concessionária que administra o serviço de abastecimento e
saneamento na cidade, a Companhia de Água e Esgotos de Paranaguá
(CAGEPAR) e o município.
A decisão, de caráter liminar, atende ação
civil pública apresentada em maio deste ano, pelo Ministério
Público do Paraná. A Promotoria de Justiça da comarca sustenta que
a empresa deixou de cumprir diversas obrigações contratuais,
resultando em grave prejuízo financeiro aos cofres públicos, sem
contar a má-qualidade do serviço que é oferecido à população e
o desrespeito à legislação.
O juiz que acatou os argumentos do MP impôs prazo
de oito meses para que a administração municipal volte a assumir o
serviço hoje prestado pelas empresas. Em caso de descumprimento, a
prefeitura deverá pagar multa diária de R$ 10 mil.
Os promotores de Justiça apontaram diversas
ilegalidades, como o não pagamento de encargos aos cofres municipais
e o descumprimento recorrente de várias cláusulas contratuais, que
implicaram na não realização de investimentos em melhoria do
serviço e, consequentemente, prejuízo direto para a população.
Na decisão, o juiz chega a transcrever trecho da
medida do MP-PR, que resume a situação: “Aproximadamente 45 anos
após a assinatura do contrato de concessão de exploração dos
serviços de água e esgoto e, após 14 anos da assinatura do
contrato de subconcessão destes serviços, nem a Cagepar e nem a
Águas do Paraná executaram satisfatoriamente, nem o Município
exigiu tal implemento”.
O juiz também destaca: “Frise-se, após 14 anos
do contrato de sub-concessão, não há sequer 5% de rede reparadora
de esgoto no município de Paranaguá”. Por contrato, a empresa
deveria ter implantado 85% do sistema de atendimento de esgoto até
2003.
Além disso, a Águas de Paranaguá havia se
comprometido a construir reservatórios com capacidade de 17mil m3
até 2001, sendo que, até 2005, instalou apenas um reservatório,
com capacidade de 1 mil m3.
Em virtude disso e de outras
situações, em março deste ano, quando houve uma enchente na
região, os moradores da cidade ficaram sem abastecimento de água
por vários dias. “As fortes chuvas do início do ano nos deram a
prova material de que o sistema era de fato frágil e que a população
corria risco”, afirmam os promotores de Justiça autores da ação.
Eles estimam que, no total, o descumprimento de
cláusulas contratuais que implicavam em investimentos na rede de
água e esgoto e o não pagamento de encargos resultaram em um rombo
de cerca de R$ 60 milhões aos cofres públicos.
Em comum com Atibaia e Guaratinguetá, a cidade de
Paranaguá tem a mesma empresa como a parte privada – já instalada
ou pretendida – dos serviços de água e esgoto: a CAB Águas de
Paranaguá, empresa que a Justiça determinou a rescisão de contrato
no Paraná, é um dos muitos braços da CAB Ambiental e do Grupo
Galvão estendidos Brasil afora.
Como se vê, Foz do Brasil e CAB Ambiental,
tentáculos de grandes corporações, vão expandindo as atividades
na área de água e esgoto pelo país. Poucas empresas com interesses
privados controlando recursos de tamanha importância estratégica e
futura, colocam o Brasil, nesse setor, caminhando na contramão mesmo
quando se fala de países ferrenhos defensores das privatizações.
Na Europa, experiência negativa e volta
atrás – O doutorando da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) Juscelino Eudâmidas diz que, de acordo com pesquisas
internacionais, até 2015, cerca de 60% da capacidade de
abastecimento da América Latina estará privatizada. Contudo, ele
destaca que, nos países ricos, onde a ideia da privatização
surgiu, os governos estão voltando atrás.
“O Estado francês, onde surgiram as
primeiras experiências de concessão do sistema de distribuição de
água, está reestatizando todo o serviço. Eles viram que a
qualidade do serviço e da água caíram, os preços subiram
exorbitantemente e o serviço não foi universalizado”, diz
Eudâmidas.
Representantes do Movimento dos Atingidos Pelas
Barragens destacam que a Itália, por meio de referendo, decidiu, em
junho passado, que o sistema de água deve ser gerido por empresas
públicas.
Onde está a participação popular? – Se
na Itália a população do país foi consultada para votar o modelo
de gerenciamento da água, em Atibaia não houve sequer uma audiência
pública chamada para debater a mudança de regime jurídico do SAAE
e a contratação da PPP. A ação de convocar os contribuintes seria
um sinal de respeito à democracia, principalmente pelo papel
fundamental da empresa na história da cidade.
Até mesmo na polemica envolvendo a cidade de
Santa Gertrudes, no interior de São Paulo, aqui narrada, o prefeito
João Vitte disse que é praticamente impossível cancelar o contrato
de concessão, já que ele foi amplamente discutido com a população
por meio de audiências públicas. Além disso, o edital de licitação
ficou um ano sob análise do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e foi
elaborado conforme as regras do órgão.
Flagrante
contradição – Evento curioso – e não menos
contraditório e incoerente – ocorreu esta semana. O site oficial
da Prefeitura de Atibaia exibia nota convocando para terça-feira, 6
de setembro, às 18h, no Fórum Cidadania, audiência pública para
discutir a implantação do loteamento “Reserva de Atibaia”, na
estrada dos Pires, bairro rio Abaixo.
O texto destaca que a “reunião é aberta” e
que “audiências públicas são instrumentos que buscam colher
subsídios para o processo de tomada de decisões do Poder Executivo.
Elas também permitem aos cidadãos a oportunidade de encaminhar
pleitos, sugestões e opiniões, além de darem publicidade a
assuntos de interesse público”.
Enfim, uma incoerência, pois se audiências
públicas existe para tratar de interesse público, porque o SAAE não
as merece? Fica difícil compreender a noção de democracia se água
e esgoto, temas de reflexos gigantescos para a saúde humana e ao
meio ambiente, não são brindados com a possibilidade do debate
franco e amplo.