A quinta greve nacional desde o retorno da
democracia em 1990 reflete que há algo que resiste à mudança no
Chile: a direita que criou o atual modelo econômico, político e
social instaurado com a ajuda do ditador Augusto Pinochet nos 17 anos
que durou sua ditadura.
Na noite de terça-feira, 23 de
agosto, na véspera dos dois dias da greve convocada pela Central
Unitária de Trabalhadores (CUT), a principal organização sindical
do país, que representa cerca de um milhão de trabalhadores,
começou a primeira grande manifestação cidadã de rechaço ao
governo e ao modelo vigente com um novo e massivo “panelaço”,
onde milhões de pessoas saíram de seus lares com suas panelas para
protestar simbolicamente – do mesmo modo como faziam contra
Pinochet – contra a precariedade dos mais pobres devido ao
neoliberalismo extremo chileno.
Esta nova grande ação social
desdobrou-se em marchas em vários pontos de Santiago e de outras
cidades chilenas, um sinal de apoio às demandas dos trabalhadores e
dos estudantes que querem mudar a Constituição Política de 1980,
elaborada pelos mesmos personagens que agora governam junto com
Sebastian Piñera, o multimilionário presidente do Chile.
Não
é para esquecer o fato de que irmão maior do mandatário chileno é
José Piñera, o “pai” da legislação atual em matéria
trabalhista, mineira e previdenciária que Pinochet aplicou sem
consultar a população. A mobilização dos trabalhadores pretende
mudar justamente o panorama deixado pelo primogênito dos Piñera,
cujo modelo de sociedade enfrenta a resistência dos chilenos que
apoiam o movimento dos trabalhadores que continua nesta quinta e ao
qual se somaram os estudantes que defendem o fim do lucro na educação
pública para que esta seja gratuita.
Trabalhadores e
estudantes: os dois atores que mais perderam com a sociedade de
mercado instalada pela direita, aprofundada pelos governos da
Concertação entre 1990 e 2010 e radicalizada pelo atual governo que
insiste em dar enormes subsídios aos bancos privados para créditos
universitários, deixando milhões de jovens tão endividados que não
conseguem superar esse problema devido aos baixos salários dos
mercado de trabalho chileno.
O primeiro dia da greve nacional
contou com a adesão de 80% dos trabalhadores públicos, segundo
informou a Agrupação dos Empregados Fiscais (ANEF). Milhares de
chilenos foram afetados pela paralisação, mas apoiaram a
mobilização, saindo às ruas para apoiar os trabalhadores. A
paralisação também é uma resposta da CUT à ação do atual
governo de sucatear o Estado, demitindo funcionários públicos,
flexibilizando a legislação trabalhista, permitindo práticas
anti-sindicais e freando a negociação coletiva.
O fato de a
paralisação não ter sido tão massiva no setor privado – segundo
entidades empresariais, a greve foi inferior a 5% neste setor –
deve-se ao fato de que a legislação trabalhista herdada do
pinochetismo põe uma série de travas à formação de sindicatos
nas empresas, além de permitir a substituição de trabalhadores em
greves. Esta é outra das mudanças estruturais defendidas pelo
sindicalismo.
A resposta do governo à greve foi a de sempre:
deslegitimar os movimentos sociais, assinalando que a greve custará
cerca de US$ 400 milhões à economia local. Se consideramos a má
distribuição de renda no país, onde 94% da população recebe
apenas 6% da riqueza, o resultado real é que a grande maioria dos
chilenos só perde US$ 1,5 pela paralisação de atividades.
O
pior de tudo é que o presidente Piñera não apresentou nenhum
argumento para responder às demandas de mudanças feitas pelos
trabalhadores, seguindo o mesmo roteiro executado com os estudantes:
realizar outras atividades midiáticas em meio à efervescência
social, como almoçar no Palácio La Moneda com os “twiteiros”
chilenos mais influentes desta rede social.
Enquanto o governo
afirma que a paralisação foi um fracasso, milhares de
trabalhadores, estudantes e pessoas comuns saem às ruas para
rechaçar o modelo. Também se registraram barricadas de fogo, assim
como ocorria nos tempos em que os militares governavam o Chile. As
ruas do centro de Santiago ficaram vazias ao entardecer, enquanto
começavam os panelaços.
Outro dado a destacar é que, ao
contrário das greves realizadas nos 20 anos de governos de
centro-esquerda da Concertação, a sociedade chilena aprofundou o
descontentamento nas ruas como nunca havia se visto desde 1990. Desta
vez, as demandas por melhores salários, menos abusos empresariais e
medidas para diminuir a desigualdade de renda são lideradas pela
sociedade civil e não pela lógica da elite política.
No
Palácio de La Monde os vidros são duplos: o governo não quer
escutar o massivo questionamento social ao modelo econômico que a
direita insiste em manter.
Nesta quinta, para o segundo dia da
greve, espera-se um ato massivo em frente da sede da CUT, que se
encontra a menos de 50 metros de La Moneda, em plena Alameda, o que
promete uma intensa jornada, repetindo o clima de descontentamento
que atingiu o governo de Piñera.