Até
mesmo analistas kirchneristas se surpreenderam neste domingo com a
dimensão
da vitória
alcançada por Cristina Kirchner nas primárias presidenciais
argentinas. Apontada favorita com 40% dos votos em algumas pesquisas
de opinião, Cristina superou todas as expectativas e conseguiu uma
esmagadora vitória com mais de 50% dos votos. Ricardo Alfonsín, da
UCR, filho do ex-presidente e desgastado por uma aliança com o
direitista De Narváez, teve 12,23%; o peronista dissidente e
ex-presidente Eduardo Duhalde teve 12,19%; o socialista Hermer
Binner, governador de Santa Fe, conseguiu 10,54%. A neo-mística
Elisa Carrió, que chegou a ser a segunda força nas eleições de
2007, não passou dos 3,2%.
A participação popular também
surpreendeu e chegou a mais 70% dos votantes. A vitória foi
inapelável: até o Clarín,
um dos principais bastiões de oposição ao governo, foi obrigado a
manchetar nesta segunda: “Alta participação e rotundo apoio a
Cristina”. O kirchnerista Página
12
comemorou: “Chuva de votos”. Crónica
resumiu:
“Massacre” (Paliza).
A previsão geral, até mesmo entre os opositores, é que
dificilmente esse quadro será revertido até as eleições de
outubro, nas quais, para vencer no primeiro turno, Cristina só
precisa de 40% dos votos e de uma diferença de 10% ante o segundo
colocado.
Para qualquer conhecedor do mapa
eleitoral argentino, foi uma surra de recordar as grandes vitórias
eleitorais do peronismo. Cristina venceu em todos os estados, com a
exceção da pequena província de San Luis. Em alguns, como Santiago
del Estero, ela alcançou 80% dos votos, impondo impressionantes 73
pontos de diferença sobre Alfonsín. Em todo o noroeste do país,
mais pobre, Cristina não obteve menos de 60%: foram 70% em Formosa,
65% em Tucumán, 63% em Catamarca, 62% em Salta, 60% em Chaco.
Cristina venceu até mesmo na Capital Federal, historicamente reácia
ao peronismo, suplantando com tranquila vantagem de oito pontos o
ex-presidente Duhalde na cidade. No estado de Buenos Aires, ela
ampliou os números recentes do kirchnerismo e impôs a Duhalde uma
humilhante derrota por 53 x 13. O popular governador de Santa Fe, o
socialista Hermes Binner, não conseguiu vencer Cristina em seu
próprio estado. Perdeu por 37,8% a 32,7%.
O
Página 12
resumiu um
recado das urnas que também se aplica a outros países
latino-americanos: ficou
mais uma vez provado que os grandes meios de comunicação influem
igualmente ou mais que um partido político ou um grupo econômico
tradicional, mas não determinam um resultado. Já havía ocorrido a
mesma coisa nas eleições de Brasil, Peru, Bolívia e
Uruguai.
Completa-se um giro que havia se
iniciado em 2008, quando estourou o conflito com as patronais do
agronegócio em torno às retenções que pretendia o governo.
Naquele momento, o vice-presidente Julio Cobos rompeu com Cristina e
deu o voto de minerva que derrotou o governo no Senado. A cisão com
os grandes meios comunicação de massas piorou e em junho de 2009 o
kirchnerismo perdeu a maioria parlamentar, num momento marcado pela
derrota de Néstor Kirchner em Buenos Aires.
O governo
começou a se recuperar com o decreto que estabelecia uma ajuda
financeira para menores de 18 anos oriundos de famílias
desempregadas ou subempregadas. Contando com o apoio dos socialistas
e do Proyecto Sur (dissidência liderada pelo cineasta Fernando
“Pino” Solanas), o governo aprovou, em dezembro de 2009, a lei de
regulação da mídia e, em julho de 2010, o pioneiro casamento
igualitário, garantindo este importante direito para gays e
lésbicas. Ali, o kirchnerismo já havia claramente saído das
cordas.
Mas a morte de Néstor, em outubro de 2010, plantou
algumas dúvidas, em especial entre os machistas de plantão e os
opinólogos que costumam confundir a realidade com seus próprios
desejos. No Brasil, grassou uma palpitologia extremamente
desinformada. A pitonisa Miriam Leitão que, na certa, não saberia
diferenciar Jujuy e Córdoba num mapa, decretou
peremptoriamente que “sem ele (Néstor), acaba o
kirchnerismo”. Provavelmente, a Sra. Miriam Leitão não vai se
corrigir, não vai publicar errata, não vai fazer mea culpa, não
vai reconhecer que errou, como nunca faz. Mas os argentinos deram a
resposta ontem nas urnas.