“No governo Luiz Inácio Lula da
Silva, era habitual dirigentes da Central Única dos Trabalhadores
(CUT) que iam a Brasília discutir projetos do interesse dos
trabalhadores se hospedarem na Granja do Torto. Afinal, o anfitrião
era ele mesmo um ex-sindicalista. Após sete meses de governo Dilma
Rousseff, o atual presidente da CUT, Artur Henrique da Silva, ainda
não teve um encontro a sós com a presidente da República que
ajudou a eleger. E a agenda do contencioso da entidade com o governo
só faz aumentar.
As centrais contavam ser ouvidas em relação
ao projeto que desonera a folha de salários das empresas. Isso não
ocorreu. A CUT chegou a colocar Lula no circuito e hoje se dá como
provável o adiamento do anúncio do projeto. “Não dá para
tratar a questão da desoneração da folha de pagamentos isolada da
necessidade de mudanças na estrutura tributária”, diz Artur
Henrique. E muito menos do rombo que a CUT acredita que ocorrerá na
Previdência. Em sua opinião, o projeto do governo desonera a
indústria, mas onera o restante da sociedade.
A CUT quer
participar e ser ouvida nas negociações. Dilma já criou uma “mesa
de negociação” do movimento sindical na Secretaria-Geral da
Presidência, comandada pelo ministro Gilberto Carvalho. Mas o
assunto desoneração não foi tocado. Artur espera ser ouvido no dia
10 de agosto, quando a CUT pretende outra vez ocupar o Congresso,
como fez no primeiro semestre, e cobrar diretamente de Dilma o
atendimento à agenda dos trabalhadores.
Abaixo, trechos da
entrevista concedida pelo presidente da CUT, por telefone, ao
Valor:
Valor: É
ampla a lista de demandas da CUT em relação ao governo, neste
segundo semestre. O que está havendo?
Artur
Henrique: Iniciamos o ano com uma ida ao
Congresso, entre 300 e 400 dirigentes, em março, cobrando a
plataforma da CUT, que envolvia uma quantidade enorme de questões
importantes: redução da jornada de trabalho, fim do fator
previdenciário, convenção da OIT. No último dia 6 de julho,
fizemos o Dia Nacional de Mobilização.
Fui ao Pará
reclamar das autoridades os assassinatos de líderes dos
trabalhadores. Em São Paulo, tivemos 10 mil pessoas preparando a
campanha salarial das nossas entidades nesse segundo semestre.
Queremos que os trabalhadores das nossas empresas se envolvam
nesse processo. É preciso aproveitar o bom momento econômico que
estamos atravessando para fazer a disputa salário versus inflação,
aumento real versus inflação, mostrando que os ganhos de
produtividade foram muito maiores que os ganhos repartidos para os
salários nos últimos anos.
Valor:
E agora?
Artur Henrique:
Vamos voltar ao Congresso em 10 de agosto e fazer um balanço. Nossa
avaliação é que os projetos de interesse do governo e do
empresariado foram a grande maioria das votações. Evidentemente,
algumas propostas do governo também têm interesse dos
trabalhadores, como o Minha Casa, Minha Vida 2 e Brasil Sem Miséria.
Mas não é uma pauta dos trabalhadores. É do governo. Nos seis
primeiros meses, a pauta dos trabalhadores ficou para segundo plano
no Congresso.
Valor:
Votou o salário mínimo e agora deve apresentar a desoneração da
folha de pagamentos…
Artur Henrique:
Na manifestação de março, nós já colocamos as reformas política
e tributária como duas grandes questões da nossa agenda.
Principalmente a tributária, que tem um aspecto central no debate de
enfrentamento que nós queremos fazer no Brasil.
Valor:
Por que?
Artur Henrique:
Não dá para tratar a questão da desoneração da folha de
pagamentos isolada da necessidade de mudanças na estrutura
tributária. E não nos parece que isso esteja sendo levado em conta
pelo Congresso e pelo governo.
Valor:
Mas não há uma promessa de negociação da desoneração com as
centrais?
Artur Henrique:
Tinha. Ainda tem.
Valor:
Por isso o anúncio da desoneração foi adiado?
Artur
Henrique: Cobramos do Gilberto Carvalho
(secretário-geral da Presidência, encarregado da articulação com
os movimentos sociais). Está acontecendo uma mesa de negociação
permanente, o que é muito positivo. Todo mês tem reunião lá na
Secretaria-Geral da Presidência, com o Gilberto Carvalho e as
centrais sindicais. Na pauta que apresentamos, esse tema era um dos
primeiros.
Reforma tributária e principalmente a desoneração
da folha. Segundo o Gilberto, haveria uma reunião logo em seguida
com o Ministério da Fazenda e o Ministério da Indústria e Comércio
(Mdic). Como o governo ainda estava fazendo essas contas, a reunião
foi adiada em duas semanas. Até agora, não marcaram nova
reunião.
Valor:
Vocês pediram para adiar?
Artur
Henrique: Nós pegamos aqui o jornal e vemos
“Dilma prepara não sei o quê”. Tá bom. E nós? Vamos
participar ou vamos ficar sabendo só pelos jornais? Nós não
queremos só saber. Nós queremos negociar, debater e também
apresentar nossa visão. Se é pra gente só saber, manda um e-mail,
né?
Valor: E
aí vocês fizeram essa cobrança?
Artur
Henrique: Fizemos a cobrança e o que nós
estamos aguardando é uma reunião oficial de negociação ou de
apresentação sobre o que está sendo discutido entre o governo e os
empresários sobre política industrial.
Valor:
O ex-presidente Lula também entrou nessa história…
Artur
Henrique: Provavelmente, é mais conversa
entre o ex-presidente e a atual presidente.
Valor:
Mas ele conversou com o sr?
Artur
Henrique: Teve uma conversa dizendo “como
é que está a discussão da política industrial”, se nós
estávamos participando, queria saber também informações de como é
que estava isso. Falei, olha nós ainda não tivemos nenhuma reunião
com o governo. Estamos sabendo daquilo que está apresentado nos
jornais e nas apresentações que vêm sendo feitas por vários
ministros.
Valor:
Essa relação com os movimentos sociais, não mudou com o novo
governo?
Artur Henrique:
Tem uma mudança positiva. No governo Lula, é verdade, nós tínhamos
uma relação mais próxima, mas não havia regularidade nas
discussões sobre projetos. A vantagem da Dilma é estabelecer que a
Secretaria-Geral será o espaço de relação com os movimentos
social e sindical.
Valor:
Mas já não era?
Artur Henrique:
Era, mas também não havia regularidade. Era assim: no fim do ano,
as centrais sindicais faziam uma marcha e apresentavam uma pauta ao
governo. Evidentemente, com antecedência de dois, três meses, a
gente preparava, ia discutir nos ministérios, procurava construir
uma proposta e resposta para essa pauta, para que quando chegasse a
marcha a gente tivesse o encontro com o Lula com algo
definido.
Valor:
E agora?
Artur Henrique:
Nós dissemos não queremos negociar só uma vez por ano. Nós
queremos ter um processo de participação nas discussões mais
permanente. No governo Dilma, foi montada essa mesa de diálogo
através da Secretaria-Geral, o que é positivo. Já fomos lá,
apresentamos a pauta e discutimos os itens dessa pauta.
Valor:
Essa mesa tem só as centrais ou todos os movimentos sociais?
Artur
Henrique: Tem uma específica para o
movimento sindical, mas ele também está fazendo uma para o
movimento social. Todas as centrais sindicais reconhecidas e que têm
representatividade. Todo mês. Por exemplo: fruto do que aconteceu em
Jirau e Santo Antônio (paralisação de cerca de 40 mil
trabalhadores) nós estamos fazendo uma mesa com a construção civil
que já está na 7ª ou 8ª reunião, bem adiantada, e vamos entrar
agora num debate muito importante para nós, que é negociação
permanente nos canteiros de obras.
Não é só de usina, não
é só do PAC, não é só de Copa do Mundo, mas de todas as obras da
construção civil. A constituição de comissão sindical no local
de trabalho para resolver problemas, por exemplo. E já fizemos um
trabalho sobre formação e qualificação profissional que logo será
anunciado.
Valor:
Por que o governo não tratou da desoneração com vocês?
Artur
Henrique: Nós estamos lá na
Secretaria-Geral em reuniões periódicas, as coisas estão
acontecendo. Só que a vida é dinâmica, o mundo gira e aparecem
outras questões. Se for esperar acabar aquele tema em discussão na
Secretaria-Geral para entrar no outro tema, o assunto já foi
resolvido dentro do governo. Um exemplo: aeroportos.
Valor:
“Tucanaram as concessões”, como vocês dizem?
Artur
Henrique: Nós ficamos ali discutindo com o
Gilberto a Convenção 151 da OIT, o fim do fator previdenciário, a
redução da jornada, as contrapartidas, o fundo de garantia.
Paralelamente, tem uma reunião com governadores, e a Dilma anuncia o
modelo de concessão dos aeroportos. E aí, crise, saímos nós
batendo, dizendo que não fomos consultados.
É a mesma
coisa, agora, em relação à desoneração da folha de salários.
São exemplos de que o método é importante – ter negociação
permanente -, mas ele não está dando conta das tarefas ou dos
principais temas que nós queremos discutir porque a dinâmica está
sendo muito rápida. E, ao mesmo tempo, o governo faz várias
reuniões com o setor empresarial, dividindo-o por setores.
Então,
quando vai debater lá, digamos, ferrovia, chama os empresários do
setor para discutir o projeto das ferrovias. Se não tiver mesas de
negociação articuladas entre governos, empresários e empregados,
nos vários setores econômicos, nós vamos ficar presos a uma agenda
muito interessante que nós queremos discutir lá na
Secretaria-Geral. Mas a vida vai tomando decisões e nós corremos o
risco de perder o timing, o passo.
Valor:
A desoneração não aumenta o emprego?
Artur
Henrique: Essa ideia de que vamos desonerar
por que automaticamente diminui o custo da mão de obra no Brasil é
falsa. Fala-se muito “o custo da mão de obra é muito caro, os
encargos são muito altos etc”. Mas não falam do custo da mão
de obra, que na indústria é US$ 2,70 a hora, enquanto nos país
desenvolvidos e nos países da OCDE é pelo menos duas ou três vezes
mais do que isso.
Então, é uma discussão falsa dizer que o
problema no Brasil são os encargos, sem levar em consideração que
o problema no país ainda é a remuneração baixa. Ninguém discute
esse dado quando se debate competitividade.
Só discute
competitividade para diminuir os direitos, em vez de aumentar os
salários ou melhorar as condições de trabalho em alguns países,
como na China, na Índia ou na própria Rússia. O problema não é
ser contra ou a favor a desoneração da folha. O problema é que o
debate está enviesado.
Valor:
O problema é a Previdência?
Artur
Henrique: Este é o mais grave. A desoneração
da folha não pode ser tratada sem levar em consideração a forma
como a sociedade brasileira vai garantir um sistema de proteção
social. Não é possível beneficiar um setor da sociedade, como a
indústria, e toda a sociedade pagar por isso. Nós precisamos
discutir de onde sairá o dinheiro para cobrir esse rombo que vai se
dar na Previdência. É disso que se trata. Nós queremos ter acesso
aos números, aos dados do governo, inclusive para discutir a questão
faturamento, em vez de ser folha de pagamento. Mas queremos os dados
para não fazer uma aposta errada.
Valor:
Por que a CUT é contra a concessão dos aeroportos?
Artur
Henrique: Nós não somos contra a entrada do
capital privado. O que nós queremos é manter o controle do Estado,
para não dar o que está dando no setor elétrico: Rio de Janeiro,
bueiro voando; Eletropaulo, 33 dias de escuridão por conta de falta
de investimento.