ABGLT divulga nota sobre suspensão do kit educativo Escola Sem Homofobia

A
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais – ABGLT, por meio de suas 237 ONGs afiliadas, assim como
a Articulação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, a
Articulação Brasileira de Lésbicas – ABL, o Grupo E-Jovem,
milhares de militantes LGBT e defensores dos direitos humanos,
lamentam profundamente a decisão da Presidenta Dilma de suspender o
kit educativo do projeto Escola Sem Homofobia. A notícia foi
recebida com perplexidade, consternação e indignação.

Apesar
de entender que houve suspensão, e não cancelamento, do kit, até
porque o material ainda não está disponível para uso nas escolas e
aguarda a análise do Comitê de Publicações do Ministério da
Educação, a ABGLT considera que sua suspensão representa um
retrocesso no combate a um problema – a discriminação e a violência
homofóbica – que macula a imagem do Brasil internacionalmente no que
tange ao respeito aos direitos humanos.

Este episódio infeliz
traz à tona uma tendência maléfica crescente e preocupante na
sociedade brasileira. O Decreto nº 119-A, de 17 de janeiro de 1890,
estabeleceu a definitiva separação entre a Igreja e o Estado,
tornando o Brasil um país laico e não confessional.

Um
princípio básico do estado republicano está sendo ameaçado pela
chantagem praticada hoje contra o governo federal pela bancada
religiosa fundamentalista e seus apoiadores no Congresso Nacional.

O
fundamentalismo de qualquer natureza, inclusive o religioso, é um
fenômeno maligno atentatório aos princípios da democracia, um
retrocesso inaceitável para os direitos humanos.

Os mesmos
que queimaram os homossexuais, mulheres e crentes de outras religiões
na fogueira da Inquisição na idade média estão nos ceifando no
Brasil da atualidade. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, a cada
dois dias uma pessoa LGBT é assassinada no Brasil por causa de sua
orientação sexual ou identidade de gênero. É preciso que sejam
tomadas medidas concretas urgentes para reverter esse quadro, que é
uma vergonha internacional para o Brasil.

Uma forma essencial
de fazer isso é através da educação. E por este motivo o kit
educativo do projeto Escola Sem Homofobia foi construído
exaustivamente por especialistas, com constante acompanhamento do
Ministério da Educação, e com base em dados científicos. Entre
estes são os resultados de diversos estudos realizados e publicados
no Brasil na última década.

A pesquisa intitulada
“Juventudes e Sexualidade”, realizada pela UNESCO e
publicada em 2004, foi aplicada em 241 escolas públicas e privadas
em 14 capitais brasileiras. Segundo resultados da pesquisa, 39,6% dos
estudantes masculinos não gostariam de ter um colega de classe
homossexual, 35,2% dos pais não gostariam que seus filhos tivessem
um colega de classe homossexual, e 60% dos professores afirmaram não
ter conhecimento o suficiente para lidar com a questão da
homossexualidade na sala de aula.

O estudo “Revelando
Tramas, Descobrindo Segredos: Violência e Convivência nas Escolas”,
publicado em 2009 pela Rede de Informação Tecnológica
Latino-Americana, baseada em uma amostra de 10 mil estudantes e 1.500
professores(as) do Distrito Federal, e apontou que 63,1% dos
entrevistados alegaram já ter visto pessoas que são (ou são tidas
como) homossexuais sofrerem preconceito; mais da metade dos/das
professores(as) afirmam já ter presenciado cenas discriminatórias
contra homossexuais nas escolas; e 44,4% dos meninos e 15% das
meninas afirmaram que não gostariam de ter colega homossexual na
sala de aula.

A pesquisa “Preconceito e Discriminação
no Ambiente Escolar” realizada pela Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas, e também publicada em 2009, baseou-se em uma
amostra nacional de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores,
professores e funcionários, e revelou que 87,3% dos entrevistados
têm preconceito com relação à orientação sexual e identidade de
gênero.

A Fundação Perseu Abramo publicou em 2009 a
pesquisa “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil: intolerância
e respeito às diferenças sexuais”, que indicou que 92% da
população reconheceram que existe preconceito contra LGBT e que 28%
reconheceram e declarou o próprio preconceito contra pessoas LGBT,
percentual este cinco vezes maior que o preconceito contra negros e
idosos, também identificado pela Fundação.

Estas e outras
pesquisas comprovam indubitavelmente que a discriminação homofóbica
existe na sociedade é tem um forte reflexo nas escolas. Eis a razão
e a justificativa da elaboração do kit educativo do projeto Escola
Sem Homofobia.

Com a suspensão do kit, os jovens alunos e
alunas das escolas públicas do Ensino Médio ficarão privados de
acesso a informação privilegiada para a formação do caráter e da
consciência de cidadania de uma nova geração.

Em resposta
às críticas ao kit, informamos que o material foi analisado pelo
Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação
do Ministério da Justiça, que faz a “classificação
indicativa” (a idade recomendada para assistir a um filme ou
programa de televisão).

Todos os vídeos do kit tiveram
classificação livre, revelando inquestionavelmente as mentiras,
deturpações e distorções por parte de determinados parlamentares
e líderes religiosos inescrupulosos, que além de substituírem as
peças do kit por outras de teor diferente com o objetivo de
mobilizar a opinião pública contrária, na semana passada afirmaram
que haveria cenas de sexo explícito ou de beijos lascivos nas peças
audiovisuais do kit.

O kit educativo foi avaliado pelo
Conselho Federal de Psicologia, pela UNESCO e pelo UNAIDS, e teve
parecer favorável das três instituições. Recebeu o apoio
declarado do CEDUS – Centro de Educação Sexual, da União Nacional
dos Estudantes, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, e
foi objeto de uma audiência pública promovida pela Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão, cujo parecer também foi favorável.

Ainda, teve uma moção de apoio aprovada pela Conferência
Nacional de Educação, da qual participaram três mil delegados e
delegadas representantes de todas as regiões do país, estudantes,
professores e demais profissionais da área.

Ou seja, tem-se
comprovado, por diversas fontes devidamente qualificadas e
respeitadas, como base em informações científicas, que o material
está perfeitamente adequado para o Ensino Médio, a que se destina.

Os direitos humanos são indivisíveis e universais. Isso
significa que são iguais para todas as pessoas, indiscriminadamente.
Os direitos humanos de um determinado segmento da sociedade não
podem, jamais, virar moeda de troca nas negociações políticas.

Esperamos que a suspensão do kit não tenha acontecido por este
motivo e relembramos o discurso da posse da Presidenta no qual
afirmou a defesa intransigente dos direitos humanos.

Esperamos
que a Presidenta Dilma mantenha o diálogo com todos os setores
envolvidos neste debate e que respeite o movimento social LGBT. Da
mesma forma que há parlamentares contrários à igualdade de
direitos da população LGBT, há 175 nesta nova legislatura que já
integraram a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT, e que com
certeza gostariam de ter a mesma oportunidade para se manifestarem em
audiência com a Presidenta, o mais brevemente possível.

A
Presidenta Dilma tem assinalado que seu governo está comprometido
com a efetiva garantia da cidadania plena da população LGBT, por
meio das ações afirmativas de seus ministérios.

Na semana
passada, na ocasião do Dia Internacional contra a Homofobia, a ABGLT
foi recebida por 12 ministérios do Governo Dilma, onde um item comum
em todas as pautas foi o cumprimento do Plano Nacional de Promoção
da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT.

Também na semana
passada, por meio de Decreto, a Presidenta convocou a 2ª Conferência
Nacional LGBT. Porem, com a atitude demonstrada no dia de hoje
acreditamos estar na contramão dos direitos humanos, retrocedendo
nos avanços dos últimos anos.

Exigimos que este governo não
recue da defesa dos direitos humanos, não vacile e não sucumba
diante da chantagem e do obscurantismo de uma minoria perversa de
parlamentares e líderes fundamentalistas mal intencionados.

Esperamos que a Presidenta da República reconsidere sua
posição de suspender o kit do projeto Escola Sem Homofobia, para
restabelecer a conclusão e subsequente disponibilização do mesmo
junto às escolas públicas brasileiras do ensino médio.

Esperamos
também que estabeleça o diálogo com técnicos e especialistas no
assunto.

Estamos abertos ao diálogo e esperamos que nossa
disposição neste sentido seja retribuída o mais rapidamente
possível, sendo recebidos em audiência pela Presidenta Dilma e pela
Secretaria-Geral da Presidência da República e que a mesma reveja
sua posição.

Expediente:
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