Os corpos do líder extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva e de sua
mulher, Maria do Espírito Santo, serão enterrados nesta quarta-feira
(25). Silva era presidente do Conselho Nacional das Populações
Extrativistas (CNS) e foi assassinado nesta terça-feira, dia 24, junto
com Maria, em uma emboscada no município de Nova Ipixuna (PA), a cerca
de 100 quilômetros de Marabá (PA).
Silva e a mulher integravam o projeto de assentamento agroextrativista
Praialta-Piranheira, criado na região em 1997 e que trabalhava
principalmente com produtores de castanha. Líder da associação de
camponeses da região, ele se tornou conhecido por denunciar a ação de
madeireiros ilegais na floresta amazônica. Apesar de denúncias feitas em
público, no entanto, nenhum deles tinha proteção policial.
De acordo com o delegado responsável pelo inquérito, Marcos Augusto
Cruz, os corpos foram encaminhados ao IML (Instituto Médico Legal) local
para exame de necropsia que apontará, por exemplo, quantos disparos
cada um recebeu. Ambos eram da vizinha Marabá, também no Pará.
Conforme Cruz, nos próximos dias familiares e outras pessoas próximas
aos líderes camponeses serão chamados a depor nas investigações. Além
disso, afirmou o delegado, as denúncias de ameças relatadas por Silva ao
MPF (Ministério Público Federal) e supostamente recebidas por ele de
madeireiros serão analisadas “uma a uma”. “Vamos pormenorizar essas
ameaças para seguir as investigações”, resumiu o policial.
Os corpos do casal foram submetidos a autópsia no início da noite desta
terça-feira (24), no Instituto Médico Legal (IML), de Marabá. Na
sequência, foram liberados para o velório.
Ato de crueldade – O perito criminal José Augusto Barbosa de Andrade, gerente do Setor de
Criminalística do CPC Renato Chaves, de Marabá, investigou o local de
crime e informou que as vítimas foram atingidas por balas de espingarda,
principalmente na região torácica e nas pernas. “Também houve um ato de
crueldade porque a orelha do José Claudio estava cortada, foi
arrancada, do lado direito”, completou.
A professora Laíse Santos Sampaio, 45, irmã de Maria do Espírito Santo,
acompanhou o traslado dos corpos ao Instituto Médico e contou que há dez
anos o casal lutava contra a extração ilegal de madeira, mas que sofria
constantes ameaças.
A última delas, segunda Laíse, ocorreu no mês passado, quando Maria do
Espírito Santo recebeu um telefonema de um número restrito e a pessoa
pediu a ela ela que não saísse de casa. “Na verdade, estavam avisando
como amigo, que tinha alguém atrás para matar os dois. Ela ficou
preocupada, eu nunca vi ela tão sensibilizada, chorou muito”, lembrou a
professora, completando que a irmã lhe dizia que enquanto tivesse uma
castanheira em pé, ela daria o sangue dela em defesa dessa árvore.
Histórico – Em novembro do ano passado, quando foi palestrante no TEDX Amazônia
– espécie de fórum internacional que reuniu mais de 400 pensadores de
diversas áreas do conhecimento sob o tema da qualidade de vida no
planeta -, Silva já havia dito ao público o risco que corria: “A mesma
coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes (líder ambientalista
assassinado em 1988) querem fazer comigo; a mesma coisa que fizeram com
irmã Dorothy Stang (missinária norte-americana assassinada no Pará em
2005) querem fazer comigo. Posso estar falando hoje com vocês e daqui um
mês vocês podem ver a notícia que eu já faleci”, sentenciou.
Na palestra, Silva disse que em 1997, quando foi criado o projeto de
assentamento extrativista, a cobertura vegetal na região chegava a 85%
do território, com florestas nativas de castanha e cupuaçu. “Hoje resta
pouco mais de 20% dessa cobertura”, disse ele, que se auto-denominava
castanheiro desde os sete anos.
“Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso vivo com a bala
na cabeça a qualquer hora porque eu vou pra cima, eu denuncio (…)
Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo pra serraria me dá uma
dor –é como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem,
porque isso é vida pra mim que vivo na floresta e pra vocês também, que
vivem nos centros urbanos”, disse.
Sobre a sensação de medo diante das ameaças que afirmava sofrer, o
castanheiro resumiu, na palestra: “Medo eu tenho, sou um ser humano, mas
o meu medo não empata de eu ficar calado. Enquanto eu tiver forças pra
andar, estarei denunciando todos aqueles que prejudicam a floresta”.