Por que uma nova crise financeira é certa

A regulação se estabelece para
assegurar que o
sistema funcione adequadamente e para proteger as pessoas contra
fraudes. Mas a atividade bancária é mais lucrativa quando não há
regras, razão pela qual os líderes do setor e seus grupos de pressão
seguem tentando impedir os esforços para introduzir reformas. E, em
geral, tem conseguido. Os bancos seguem concedendo hipotecas a pessoas
desempregadas com alta possibilidade de inadimplência, da mesma forma
que faziam antes da crise. Obama sabe onde está o problema, mas também
sabe que não será reeleito sem o apoio de Wall Street. É uma questão
tempo até que haja outro crack. O artigo é de Mike Whitney.

No
dia 9 de agosto de 2007, houve um episódio em um banco francês que
desencadeou uma crise financeira que acabaria dissolvendo mais de 30
trilhões de dólares em capital, envolvendo o planeta na maior recessão
desde os tempos da Grande Depressão. O evento em questão foi descrito
em um discurso do diretor executivo da Pimco (administradora de fundos
de investimento), Paul McCulley, na 19° edição da Annual Hyman Minsky
Conference on the State of the U.S. and World Economies (Conferência
Anual Hyman Minsky sobre o estado das economias dos EUA e do mundo).


Eis um trecho
da exposição de McCulley:


“Se
tivesse que escolher um dia para assinalar o Momento Minsky, seria o 9
de agosto de 2007. E, de fato, não ocorreu aqui nos EUA. Ocorreu na
França, quando o Paribas Bank (BNP) disse que não podia valorar os
pacotes de ativos hipotecários tóxicos em três de seus produtos de
investimento fora de balanço, e que, em função disso, os investidores,
que acreditavam poder sair a qualquer momento, estavam presos. Lembro
desse dia tão bem quanto do aniversário do meu filho. E este último
ocorre uma vez por ano. Porque o desastre em cadeia começou neste dia.
Foi um pouco mais tarde, neste mesmo mês, que cunhei o termo “Sistema
Bancário paralelo” durante o simpósio anual do Federal Reserve, em
Jackson Hole. Era só o segundo ano que eu assistia ao simpósio. Estava
um pouco sobressaltado e basicamente me dediquei a escutar a maior
parte dos três dias. Ao final, me levantei e (parafraseando) disse: o
que está ocorrendo é bem simples. Temos uma fuga no Sistema Bancário
Paralelo e a única dúvida é o quão rápido ela vai se retroalimentar a
medida que seus ativos e suas obrigações vão regressando aos balanços
do sistema bancário convencional”.


O BNP estava realizando
atividades de intermediação creditícia, ou seja, trocava ativos que se
constituíam com garantias de pacotes hipotecários (MBS, em sua sigla em
inglês) por empréstimos de curto prazo nos mercados de derivativos. Soa
tudo muito complicado, mas não é algo distinto do que fazem os bancos
quando tomam os depósitos de seus clientes e os investem em ativos de
longo prazo. A única diferença neste caso é que estas atividades não
estavam reguladas, de modo que não havia nenhum órgão governamental
encarregado de determinar a qualidade dos empréstimos ou assegurar que
as distintas entidades financeiras estavam suficientemente
capitalizadas para cobrir eventuais perdas. Esta falta de regulação
acabou por gerar consequências catastróficas para a economia mundial.


Passou
quase todo um ano desde que o calote das hipotecas subprime começasse a
se propagar em massa, até que o mercado secundário (onde se trocam
estes ativos “tóxicos”) colapsou. O problema era simples: ninguém sabia
se essas hipotecas eram ou não seguras, de modo que era impossível
fixar um preço para os ativos. Isso criou o que o professor de Yale,
Gary Gorton chama um problema de e. coli (nome genérico para as
bactérias que produzem enfermidades como a salmonela), ou seja, ainda
que só uma pequena quantidade de carne seja contaminada, milhões de
libras em hamburguers têm que ser retirados do mercado. A mesma regra
se aplica aos MBS. Ninguém sabia quais delas continham os maus
empréstimos. Assim, o mercado inteiro foi paralisado e trilhões de
dólares em garantias começaram a perder valor.


As subprime
foram
a faísca que acendeu o fogo, mas o mercado das subprime não era
suficientemente grande para atingir todo o sistema financeiro. Isso
exigir tremores no sistema bancário paralelo. Eis um trecho de um
artigo de Nomi Prins que fala de quanto dinheiro está envolvido aqui:


“Entre
o ano de 2002 e o início de 2008, aproximadamente 1,4 trilhões de
dólares em hipotecas subprime correspondiam a emprestadores que tinham
quebrado como New Century Financial. Se esses empréstimos fossem nosso
único problema, no papel a solução poderia ter sido que o governo
subsidiasse essas hipotecas até um custo máximo destes 1,4 trilhões de
dólares. No entanto, e segundo Thomson Reuters, outros 14 trilhões de
dólares em produtos financeiros complexos se criaram a partir dessas
hipotecas, precisamente porque os fundos de investimento estimularam
tanto sua produção quanto sua dispersão. Desde modo, quando se chegou
ao máximo de desembolso público em julho de 2009, o governo tinha sido
obrigado a gastar 17,5 trilhões de dólares para sustentar a pirâmide de
Ponzi de Wall Street, ao invés dos iniciais 1,4 trilhões (Shadow
Banking, Nomi Prins,The American Prospect)”.


O sistema
bancário paralelo foi criado para que as grandes instituições
financeiras que dispunham de muita liquidez tivessem algum lugar onde
colocar seu dinheiro no curto prazo com a máxima rentabilidade. Por
exemplo, digamos que a Intel tem “sobrando” 25 bilhões de dólares. Pode
entregar o dinheiro a um intermediário financeiro como Morgan Stanley
em troca de uma garantia (os MBS ou os ABS), e obter em troca um
rendimento razoável por seu empréstimo. Mas se aparece algum tipo de
problema e se questiona a qualidade da garantia, então os bancos (neste
caso, o Morgan Stanley) se vê forçado a realizar cortes e mais cortes
que podem acabar colapsando o sistema inteiro. Isso é o que aconteceu
no verão de 2007. Os investidores descobriram que muitas das subprimes
eram fraudulentas, de modo que bilhões de dólares foram retirados
rapidamente dos mercados financeiros e o Federal Reserve teve que
intervir para evitar que o sistema entrasse em colapso.


A
regulação se estabelece para assegurar que o sistema funcione
adequadamente e para proteger as pessoas contra fraudes. Mas a
atividade bancária é mais lucrativa quando não há regras, razão pela
qual os líderes do setor e seus grupos de pressão seguem tentando
impedir os esforços para introduzir reformas. E, em geral, tem
conseguido. A lei Dodd-Frank (de reforma do sistema financeiro) está
repleta de lacunas e não resolve realmente os problemas cruciais da
qualidade dos empréstimos, da disponibilidade de capital e da
diminuição dos riscos. Os bancos seguem podendo conceder tranquilamente
hipotecas a pessoas desempregadas com muitas possibilidades de não
poder pagá-las, da mesma forma que faziam antes da crise. E seguem
utilizando-as para produzir complexos instrumentos de dívida sem manter
nem sequer 5% do valor original do empréstimo (esta questão segue em
disputa, de fato). Além disso, as agências governamentais não poderão
forçar as instituições financeiras a incrementar sua capitalização
apesar de seguir existindo o perigo de que uma pequena turbulência no
mercado possa quebrá-las, colocando em sério perigo o resto do sistema.
Wall Street saiu ganhando de novo e agora a oportunidade para um novo
impulso regulador já passou.


O presidente Barack Obama entende
onde radica o problema, mas também sabe que não será reeleito sem o
apoio de Wall Street. É por isso que há apenas duas semanas prometeu no
Wall Street Journal que seguiria reduzindo a “gravosa” regulação que
afeta a Wall Street. Sua coluna tratava de antecipar-se à publicação do
informe final da Comissão de Investigação da Crise Financeira (FCIC,
Financial Crisis Inquiry Commission), que possivelmente fará
recomendações em defesa da regulação pública do setor. Obama torpedeou
esse esforço ao ser colocar ao lado da grande finança. Agora é uma
questão tempo até que haja outro crack.


Este é um trecho de um informe
especial do Banco Federal de Nova York sobre o sistema bancário
paralelo:


“Na
véspera da crise financeira, o volume de crédito intermediado pelo
sistema bancário paralelo era próximo aos 20 trilhões de dólares, ou
seja, quase o dobro dos 11 trilhões que o sistema bancário tradicional
intermediava. Hoje, essas mesmas cifras são de 16 trilhões e 13
trilhões, respectivamente. A debilidade dos administradores de fundos
não surpreende quando só se dispõe de muito pouco capital para
respaldar suas carteiras de ativos e, em troca, os investidores têm
tolerância zero em relação às perdas (“Shadow Banking”, Federal Reserve
Bank of New York Staff Report)”.


Assim que, quando o Lehman
Brothers se desintegrou, entre 4 e 7 trilhões de dólares simplesmente
viraram fumaça. Quantos milhões de empregos foram perdidos em função de
uma má regulação? Quando se reduziu o PIB, a produtividade e a riqueza
nacional? Quantas pessoas vivem agora dos cheques de alimentação
estatais, ou dormem ao relento, ou tratam de evitar a falência de seus
negócios porque algumas instituições financeiras desreguladas puderam
dedicar-se à intermediação do mercado de crédito sem que o governo as
supervisionasse?


Ironicamente, o Federal Reserve de Nova
York nem sequer tenta negar a origem do problema: a desregulação. Eis o
que dizem em seu informe: “Manejar a regulação foi a razão última da
existência de muitos bancos no sistema paralelo”. O que isso quer
dizer. Quer dizer que Wall Street sabe perfeitamente que é mais fácil
ganhar dinheiro sem regras…as mesmas regras que protegem o público da
depredação por parte de especuladores e gananciosos.


A única
forma de arrumar o sistema é submeter à necessária regulação a qualquer
instituição que atue como um banco. Sem exceções.

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