Juventude e Desenvolvimento: Um Bônus Para o Brasil

O
que devemos fazer quando colocados diante da maior oportunidade de
nossas vidas, aquela que ansiamos desde sempre para o futuro, só que
transformada em possibilidade concreta no presente?Aproveitá-la? E um
país, o que deve fazer diante da maior oportunidade histórica para o seu
desenvolvimento? Quais são as perspectivas de um país que tenha diante
de si, num dado momento, os seguintes elementos somados: estabilidade
política e democracia consolidada; estabilidade econômica e um mercado
de consumo potencial entre os maiores do mundo; indústria e agricultura
bem estruturadas e em expansão; sociedade civil organizada plural e com
vocação democrática; um governo afinado com o espírito de seu tempo e
sustentado pela maior coalizão já construída no país em ambiente
democrático, legitimado por uma transformação, em curso, ampla, positiva
e bem avaliada pela população?
Agora some a essa perspectiva uma situação demográfica que faz com que
esse país conte, pelo tempo de quase três décadas, com mais cidadãos em
idade economicamente ativa do que cidadãos dependentes de fatias de uma
renda nacional com a qual ainda não podem contribuir, por serem
crianças, ou para a qual já deram a sua contribuição, por serem idosos.
Essa é uma das dimensões da realidade que o Brasil tem diante de si para
as próximas décadas.

Segundo o IBGE, até os primeiros anos da década de
2030 deve perdurar no país uma estrutura demográfica privilegiada a que
o instituto chama “bônus demográfico”; em seu “pico”, por volta de
2022, teremos uma proporção de dez cidadãos em idade ativa (15 a 64
anos) para cada quatro dependentes. Somado ao resultado das políticas de
inclusão e transferência de renda postas em marcha nos últimos anos, o
chamado “bônus demográfico” converte-se num elemento em favor do
desenvolvimento do nosso país. Estamos, portanto, diante de uma
excelente oportunidade, não? O que faremos com ela? Antes de responder a
essa pergunta, é bom ter em mente dois dados factuais: o primeiro é que
parte dessa oportunidade já foi desperdiçada e, o segundo, que ela é
única e não voltará a se repetir no futuro.

Por muito tempo falamos em “onda jovem”,
antes de falar em “bônus demográfico”; a “onda” é um dos fatores que
possibilitou o “bônus”. A significativa, e relativamente abrupta,
redução da taxa de natalidade que, em meados dos anos 70, correspondia a
média de 6 filhos por mulher, fez envelhecer o nosso jovem país. E uma
discrepância pontual nessa inflexão da taxa de natalidade, num período
determinado entre o final dos anos 70 e início dos 80, fez com que
tivéssemos hoje a maior população jovem de nossa história, em números
absolutos. Com o aumento da expectativa de vida, então, a nossa
estrutura demográfica passou e passa, em menos de meio século, por
transformações profundas as quais não sentimos com a mesma intensidade
em qualquer outro momento histórico.

O fenômeno chamado “onda jovem” atingiu o
seu pico, no Brasil, em 2010; em números absolutos, 51 milhões de
brasileiros, ou pouco mais de um quarto da população, tem entre 15 e 29
anos, para usar o recorte etário da Política Nacional de Juventude (Lei
11.129/2005). Pelas projeções, a proporção de jovens em relação ao total
– e em números absolutos – deve começar a diminuir a partir de 2011.
Então, na medida em que essa geração carrega, como outras, a marca de um
ensino básico de má qualidade, podemos concluir que parte da
oportunidade gerada por essa situação demográfica já foi desperdiçada,
infelizmente.
A “onda jovem”, no mundo e no Brasil, foi fartamente documentada e
explorada, em tese, como possibilidade de avanços sociais e políticos.
Como resultado, em quase toda a América Latina se estabeleceram
estruturas governamentais, em nível nacional, com a responsabilidade de
orientar e executar políticas dirigidas aos jovens. No Brasil, o Governo
Federal criou em 2005 a Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho
Nacional de Juventude e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – o
Projovem. O balanço da implementação dessas estruturas governamentais,
ações e programas dirigidos aos jovens na última década nesses países,
nos dará dois dados fundamentais e contraditórios: o primeiro, altamente
positivo, revela que a pauta “juventude” entrou na agenda pública
definitivamente; o outro, menos alentador, é que os governos ainda não
sabem bem o que fazer com essa pauta. Nunca se apresentou como fácil a
perspectiva de pôr em prática uma agenda nova e complexa como é a da
juventude. Em se tratando do ambiente das políticas governamentais em
países como o nosso, onde a lógica da administração tem o fragmentário
como marca, o desafio tem praticamente a dimensão de uma mudança
cultural profunda.

Tratar de juventude é tratar de todos os
temas que interessam ao bem-estar de uma determinada população; é, além
disso, estabelecer a articulação entre ações de caráter específico,
quase que exclusivistas, com a incidência sobre ações de caráter
universalista, como a política de emprego, de educação, saúde,
meio-ambiente, cultura, esporte, etc. A questão central é que um
conceito que leva anos para ser incorporado à literatura sobre um tema,
certamente poderá levar décadas para ser estabelecido como prática da
administração pública. A gestão compartilhada de temas que, por sua
natureza, são transversais é um desses casos.

Pois bem, tratando especificamente do caso
Brasil, o maior desafio posto diante do governo que inaugurou uma agenda
de políticas de juventude em nível nacional foi o da inclusão. Pode-se
dizer que a Política Nacional de Juventude é, sem demérito, um
subproduto das políticas sociais do Governo Lula, desde sua origem, se
remetermos ao fato de que o Grupo de Trabalho Interministerial que
propôs a criação do modelo que temos foi um desdobramento da Câmara de
Políticas Sociais que concebeu o Bolsa Família. Por orientação do
Presidente Lula, em 2004, abriu-se uma frente de discussão interna no
Governo, o mencionado Grupo Interministerial, e uma outra na sociedade
civil, sob a coordenação do Instituto Cidadania, o “Projeto Juventude”.

Para compreensão e balanço das políticas de
juventude no Brasil é fundamental cotejar o que propuseram essas duas
frentes com aquilo que foi implementado, mas, sobretudo, esse balanço
tem de ser orientado pela perspectiva possível dentro do contexto em que
foi formulada a Política Nacional de Juventude: política de juventude
para o Governo Lula é política de inclusão social com enfoque nas
demandas dos cidadãos jovens. A preferência é, naturalmente, pelos
excluídos e é por esse viés que se obtém como diretiva a “geração de
oportunidades para a garantia de direitos”. E é nessa perspectiva que o
balanço oficial levará em conta quantas trajetórias juvenis retomaram
seu curso natural, seja por meio da volta ao ensino formal, do ingresso
na universidade pública ou privada, ou da inserção no mercado formal de
trabalho.

O avanço está nos seguintes fatores:
estabeleceu-se a pauta na agenda do governo e na agenda pública de um
modo geral; ofereceu-se e implementou-se um modelo de atendimento às
demandas dos atores juvenis e dos cidadãos jovens; incluiu-se milhões de
jovens por meio do crescimento econômico, de transferência de renda
(Bolsa Família), da expansão da escola técnica e do ensino superior
público, do financiamento do ingresso e permanência no ensino superior
privado (PROUNI) e resgatou-se outros milhares de trajetórias juvenis
para o ensino formal (PROJOVEM). Reconhecendo tais avanços, cabe
perguntar se ainda faz sentido que permaneça latente o que eu chamaria
de “perspectiva geracional” da política de juventude.

Mesmo passada a “onda jovem”, não só ainda
se justifica uma política nacional de juventude como é absolutamente
necessário darmos à que temos um novo enfoque. O fator “bônus
demográfico” é um dos elementos que justifica esse “novo olhar” a ser
construído; entre outros fatores, ele nos possibilita colocar “no
centro” a integração das novas gerações ao processo democrático e à
estratégia de desenvolvimento nacional, com menos risco de incorrer num
certo “juventudismo”. Porque o Brasil não se preparou para receber a
quantidade de jovens que temos hoje, a “onda jovem” justificou a criação
de estruturas de governo, programas e equipamentos públicos dedicados
mas que não serviram, ainda, para viabilizar de modo sistêmico e
constante a construção de trajetórias de emancipação; o “bônus
demográfico”, por sua vez, pode justificar um pacto entre as gerações
contemporâneas na defesa de um projeto que, num período de duas décadas,
mude profundamente a qualidade de vida em nosso país.

Como abrir essa perspectiva? Como construir
esse novo olhar? Um caminho possível – e, eu diria, necessário – é
promover o geo-referenciamento dos nossos sonhos; situá-los no plano
físico, o campo da realidade, onde se dão os conflitos e onde se
executam as políticas públicas. E será preciso declarar que cada
trajetória pessoal nos interessa em suas possibilidades de emancipação.
Ressignificar gradualmente, e para toda uma geração, o que é negado por
um modelo que reproduz desigualdades: sua escola, sua cidade, sua rua,
seu tempo, o valor do seu trabalho; sua aldeia. E, de uma forma
objetiva, superar a concepção que acredita poder pôr o indivíduo numa
trajetória linear e unidimensional: estude/ forme-se, capacite-se,
trabalhe e, enfim, torne-se adulto. A visão linear e unidimensional,
inevitavelmente, vai limitar-se a “corrigir” os desvios nessa rota, o
que não basta para quebrar os mecanismos que reproduzem as
desigualdades.

Dados nos mostram que, hoje, o período de
vida que vai dos 15 aos 29 anos, no Brasil, é marcado por riscos de
diversas naturezas, inclusive o de não sobreviver a esse período; médias
anuais apontaram a interrupção violenta de 46 mil dessas trajetórias de
vida somente entre os anos de 2003 e 2005; não obstante, também, o
incremento do investimento público em educação, os níveis de defasagem
idade/série no ensino básico ainda são elevados, com 32% dos jovens
entre 15 e 17 anos cursando ainda o ensino fundamental. O principal
objetivo da Política Nacional de Juventude deveria ser criar um ambiente
“seguro” para essa fase da vida dos brasileiros, na forma de novas
oportunidades que possibilitem a vivência da juventude em seus aspectos
mais importantes: a experimentação, a escolha, o erro e o acerto, sem
que isso signifique pôr em risco os bens mais preciosos que se pode
possuir, que são a saúde, física e mental, e a própria vida.

A construção desse novo enfoque requer, em
primeiro lugar, que se fortaleça o “lugar político” do tema nas
prioridades de governo. A inclusão ainda é uma dimensão muito importante
das políticas de juventude – e se coaduna com o objetivo estratégico de
erradicação da miséria –, no entanto, é preciso ampliar os objetivos
dessa inclusão. Por outro lado, é desejável, sem dúvida, um mercado
consumidor capaz de sustentar o giro da economia no país – e essa é uma
abordagem óbvia sobre a questão do “bônus demográfico”; a questão do
desenvolvimento, porém, envolve a discussão de quais valores devem
formar a sociedade altamente desenvolvida que queremos construir. E isso
tem a ver diretamente com a Política Nacional de Juventude. Essa
política deve contribuir para a concepção do projeto de país e não
limitar-se ao atendimento das demandas dos jovens; afinal, seu objetivo
estratégico é incidir sobre toda uma geração de brasileiros com vistas a
desmontar os mecanismos que reproduzem e legitimam as desigualdades.

A melhor chave de compreensão para
transformar em política pública uma área multidisciplinar, como é a
temática de juventude, é o território. A casa, a rua, o bairro e a
cidade, em todos esses níveis é possível se estabelecer “pontos de
acesso” desse cidadão jovem à política que tem nele o seu interesse.
Além disso, parece óbvio que seja pouco eficiente oferecer as mesmas
soluções para realidades tão distintas quanto o são as das regiões e
localidades do nosso país. O ambiente é favorável à construção desse
novo olhar sobre as políticas de juventude no Brasil e, ao fazê-lo,
certamente o nosso país estará contribuindo para a atualização do tema
em toda a América Latina. Fecha-se um ciclo com um saldo positivo,
abre-se um novo ciclo com novos desafios que requerem novas estratégias.

Expediente:
Presidente: Fabiano Moura • Secretária de Comunicação: Sandra Trajano  Jornalista ResponsávelBeatriz Albuquerque • Redação: Beatriz Albuquerque e Brunno Porto • Produção de audiovisual: Kevin Miguel •  Designer Bruno Lombardi