A história da Aids mudou 30 anos
depois de a doença ser reconhecida e 15 anos após a descoberta do
tratamento eficaz.
O programa de Aids da ONU acaba de anunciar pela primeira vez a
estabilização da epidemia no mundo; mais gente está vivendo por mais
tempo, já é possível falar na eliminação da transmissão do HIV da mãe
para o filho e até o Vaticano finalmente admitiu o uso do preservativo
“em situações extremas”.
Ficou demonstrado que, ao baixar a níveis indetectáveis a quantidade de
vírus que circula no sangue e nas secreções genitais, o tratamento
adequado não elimina, mas aproxima de zero a possibilidade de um
portador transmitir o HIV.
Para os defensores da tese “testar e tratar” o quanto antes, estamos
diante de um freio sem precedentes no avanço da Aids.
Promissor, o primeiro grande estudo da chamada profilaxia
pré-exposição, conduzido no Brasil e em mais cinco países, concluiu que
indivíduos expostos ao risco, ao tomar um comprimido por dia contendo
dois medicamentos anti-Aids, registraram muito mais proteção contra a
infecção pelo HIV.
No Brasil, o Ministério de Saúde ampliou as diretrizes para outro tipo
de profilaxia, após a exposição.
Além dos casos de estupro e de acidente de trabalho, o tratamento de
urgência com o “coquetel” de antirretrovirais é agora preconizado para
populações específicas, altamente vulneráveis, e que supostamente
tiveram contato com o HIV em relações sexuais desprotegidas.
A promoção do uso consistente do preservativo em todas as relações
sexuais é prioridade que jamais pode ser abandonada, mas são evidentes
as limitações dessa política. Antes de assumir o tratamento como
prevenção, decisão que deverá considerar os interesses comerciais e os
riscos da medicalização que conduz ao sexo inseguro, o Brasil tem que
se voltar para milhares de pessoas que nem sabem que têm o HIV, porque
nunca realizaram o teste.
Se todos os que chegam já debilitados e com Aids aos serviços de saúde
iniciassem o tratamento na hora certa, a conta seria imensamente maior
do que as 200 mil pessoas que hoje buscam o remédio na rede pública, um
custo que passa de R$ 800 milhões por ano ao SUS.
Em todos os cenários, o Brasil, que convive com o subfinanciamento da
saúde, terá que ampliar o acesso aos medicamentos de Aids.
Por isso, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal julgue a ação
direta de inconstitucionalidade nº 4234, contra patentes “pipeline”,
“invenção” nacional que permitiu a aceitação indevida no país de
patentes de vários produtos.
Como muitos medicamentos para o tratamento da Aids foram protegidos por
esse mecanismo injusto, o SUS não pode comprar a versão genérica, mais
barata, dessas drogas. Para se ter uma ideia, ao comparar com preços de
genéricos anti-Aids praticados no mundo, o Brasil, em seis anos, teve
prejuízo de US$ 519 milhões na compra de cinco medicamentos de marcas
beneficiadas por tais patentes.
Durante a campanha eleitoral, a presidente eleita Dilma Rousseff
assinou um compromisso com as ONGs de luta contra a Aids de emitir
licenças compulsórias de antirretrovirais e de investir na produção
nacional de genéricos.
É um bom começo.