Bob Fernandes: os bastidores do racha entre Dunga e a TV Globo

Soccer City, caminho entre o estádio e as tendas da Fifa que abrigam o
Centro de Mídia. Galvão Bueno, Arnaldo Cezar Coelho e o diretor da
Central Globo de Esportes, Luiz Fernando Lima conversam, não escondem a
irritação e nem se preocupam com quem passa ao lado e ouve. O alvo é o
técnico da seleção brasileira, Dunga.

Por Bob Fernandes, no Terra Magazine
Minutos antes, na coletiva
pós Brasil x Costa do Marfim o técnico, numa dividida bem a seu estilo,
deu na canela do comentarista Alex Escobar, da Globo.

Luiz Fernando Lima lembra as conversas recentes da emissora com
Dunga, já na África do Sul: “Falamos com ele duas vezes e ele não
consegue entender que não é “a Globo”, ele está falando para todo o
país…”.

Seguem as observações do grupo, sempre ferinas. Um deles chega a
dizer: “E a única coisa que eu acho que ele aprendeu em quatro anos foi
falar “conosco” e não mais “com nós” como sempre fez…”.

Poucas horas depois, no que pode ser o início de uma escalada, um dos
apresentadores do programa, Tadeu Schmidt, da África para o Fantástico
mandou uma reportagem sobre a rusga. Soou mais a um editorial da
emissora.

Essa é, sem dúvida alguma, uma crise a rondar a seleção brasileira.
Mas uma crise em tudo diferente das que envolvem a França e a
Inglaterra, seleções que vivem crises internas, para dentro do elenco.

Anelka x o técnico Domenech, o capitão Evra contra o preparador
físico, Zidane nos bastidores, sacodem a França. Até o presidente
Sarkozy já palpitou. (De Carla Bruni ainda não ouvimos nada).

Na Inglaterra, o trivial básico: o ex-capitão Terry, que já derrubou
Mourinho e Felipão no Chelsea, agora pôs a boca no trombone, e na mídia,
contra o técnico italiano da seleção, Fabio Capello.

A crise que ronda o Brasil é uma crise para fora, que não envolve os
jogadores. É uma crise de poder.

De um lado o poderoso sistema Globo, que carregou 300 profissionais
para a África do Sul e quer um retorno para tanto. Em outras palavras,
deseja o que querem os quase mil profissionais do Brasil que aqui estão:
acesso. E quanto mais privilegiado, melhor.

Assim foi, assim é da índole e história da Globo, de emissora que no
Brasil tenha a dimensão que ela tem.

O problema é que, na outra ponta, está Dunga, o Schwarzenegger. E
como sabemos desde quando ele era o pitbull da seleção amarela, quando
divide, o Dunga racha.

Está claro, cada dia mais claro, que secundado por quem ele confia e a
quem tem como leais, casos de Jorginho e Taffarel, o técnico Dunga
fechou um pacto com seus jogadores. De um lado ele, eles, do outro, o
resto. Em especial a mídia e quem mais, dentro ou fora da seleção, não
reze integralmente pela mesma cartilha.

Se há fissuras no chamado “grupo” não se sabe; não se sabe mesmo, não
existem informações concretas que levem a dizer isso. Estas coisas —
que sempre existem em agrupamentos humanos — costumam aparecer, vide
França e Inglaterra, quando pintam os fracassos.

No Tempo Dunga na seleção não há fracassos; salvo na Olimpíada da
China, quando máquinas se moveram para derrubá-lo. Como não há
fracassos, parece evidente que Dunga escolheu um caminho: vencer ou
vencer.

Por mais que pareça rudimentar a lógica “ou está comigo ou contra
mim”, o técnico da seleção já viveu e apanhou o suficiente para saber o
que significa a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.

Dunga, que apanhou injustamente entre as Copas de 90 e 94, cuja
família teve que suportar o marido, o pai, o filho a carregar por quatro
anos a negativa marca da “Era Dunga”, certamente sabe o que alimenta
contra si de rancor, de ressentimento, a cada bordoada que distribui.

Ele, que já me admitiu em 2007 não terem cicatrizado ainda as feridas
da “Era Dunga”, obviamente sabe que está jogando a cartada mais
arriscada de sua vida profissional. A de construir para si mesmo a
alternativa “vencer ou vencer”.

Quando se decide por enfrentar a Globo, Dunga sabe que está
encurtando seu caminho à frente da seleção brasileira, perca ou ganhe.
Dunga sabe quais são e como se movem os interesses para a Copa 2014, e
sabe quem maneja boa parte dos cordéis.

Nos idos da Copa América e Olimpíada, eventos que acompanhei, Dunga
distribuiu fartamente bordoadas contra o sistema Globo. Durante e
depois. Basta consultar os noticiários, capturar o que disse aqui e ali o
técnico. São fatos.

Fato é, também, que depois disso tudo um acordo foi costurado. Com a
participação do diretor de Comunicação da CBF, Rodrigo Paiva,
encontraram-se o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e um dos Marinho
da Globo.

Selou-se, então, um acordo de paz, de convivência por conta dos
mútuos interesses. Não por acaso duas entrevistas exclusivas ao Jornal
Nacional na Copa das Confederações, não por acaso Dunga na bancada do
Jornal Nacional depois da convocação para a Copa de agora.

Isso é inegável. São os fatos. Não há como negá-los.

Mas, havia, há um Dunga no meio do caminho. Com a mesma determinação
que jogou em 94, que então protegeu Romário de si mesmo e do assédio da
mídia, Dunga agora se fecha com seu grupo.

A propósito, Romário, que não é bobo, sentiu o cheiro da crise e
nesta terça-feira postou em seu twitter, @Romário11, as seguintes
mensagens de apoio ao capitão do Tetra:

– Infelizmente sobrou pro Escobar (ele é gente boa e americano).
Mas geral só gosta de bater, então apanhar um pouco faz bem!

Parceiro “Dunga”, não perca o foco, vamos em frente e faltam 5 jogos!

Ao se fechar tanto, Dunga comete erros. Erros como o de enxergar e
tratar a todos, sem distinção, como se fossem adversários, inimigos
mesmo, e isso não é uma verdade.

Em algum momento Dunga perceberá, ou algum amigo lhe dirá, que não
seria preciso tanto e contra todos. Nesta terça-feira, com a experiência
de quem já viveu e enfrentou essa tsunami, Felipão Scolari aconselhou. A
todos: “Pelo bem da Seleção, não adianta um dar um soco e o outro
revidar, depois um dar um chute e o outro dar um chute também, porque,
se não, nunca vão se entender…”.

Dunga, o Schwarzenegger, decidiu-se por pagar o preço, por queimar as
caravelas. A ele e seu grupo só uma coisa importa. Vencer. Ganhar a
Copa do Mundo. Custe o que custar.

O velho parceiro Romário, herói do Tetra a quem Dunga tanto deve e
vice-versa, também nesta tarde postou em seu twitter: “A gente já sabe o
que vai acontecer. Se o Brasil ganhar é obrigação, se perder não vou
querer estar na pele do Dunga…”.

Leia também: Dunga peita jornalistas e desmente o “dossiê” da TV
Globo
 

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