Irã: gol de placa do Brasil

Já ninguém acreditava. Eram os 29 minutos da prorrogação. Logo
viriam os pênaltis. Todos, é claro, batidos contra o mesmo gol, onde o
goleiro Mahmoud ia tentar defender todas, nem que fosse no gogó. A
capitã Hillary Clinton já convocava os batedores: Sarkozy, da França,
Cameron, do Reino Unido, Merkel, da Alemanha, e os contrafeitos Putin,
da Rússia e Jin Tao, da China.

Foi quando Amorim e Luis Inácio entraram tabelando na área, um
lançou para o outro, que deu um chapéu em Hillary, retrucou para o um,
que fez uma embaixada e botou na frente do gol: os centroavantes
Ahmadinejad e Erdogan conseguiram evitar bater cabeça, e cabecearam
juntos para as redes. Gol do Brasil!!!!, numa jogada que deixou
tiririca a galera do contra que, dos camarotes da mídia conservadora,
jurava que não ia dar certo e só falava em gafes do time brasileiro.

A turma da miopia congênita levantava tudo que era argumento
possível contra a participação do Brasil na tentativa de abrir uma
porta para que se resolva o impasse nuclear do Irã. Dizia ela que o
Brasil não tinha nada a ver com isso, que a questão nuclear no Oriente
Médio não interessava ao Brasil (!), que era uma questão menor (!!),
que o Brasil não tem qualquer interesse no Irã, etc. e tal. Ficaram
roendo as unhas até os cotovelos e mordendo pé de mesa.

Nem tudo são flores no Irã liderado pelo Conselho dos Aiatolás (que
é onde está de fato o poder) e por Ahmadinejad, um político esperto de
estilo populista que se posicionou no espaço vazio entre a política
religiosa do país, o povão ainda assolado pela pobreza, a classe média
emergente e o cenário internacional, onde pretende despontar como um
líder de âmbito regional, mas de alcance internacional.

Este é o nó da questão. O Irã, com uma das maiores reservas de
petróleo e gás do mundo, com reservas de urânio consideráveis, um
parque industrial já significativo, 70 milhões de habitantes mais ou
menos, um PIB de 336 bilhões de dólares, pode vir a se tornar uma
potência emergente, desestabilizando área onde os Estados Unidos e seus
aliados mantém um controle instável sobre governos – todos, não só o
Irã – questionáveis do ponto de vista de uma democracia.

É claro que o campeonato não terminou. Possivelmente os governos
norte-americano e israelense farão tudo para desacreditar o acordo
feito entre a Turquia e o Irã, com o aval e a mediação do Brasil. É
claro também que Turquia e Irã terão de se concentrar em honrá-lo. Se
não fizerem, a partida será anulada. É muito possível também que os
Estados Unidos queiram impor, através do Conselho de Segurança da ONU,
novas sanções ao Irã. Mas já ficou mais complicado obter a carta branca
pró-ativa que queriam da Rússia e da China.

De certo modo, há uma certa necessidade por parte dos “grandes”
ocidentais do Conselho de Segurança, de impor sanções ao Irã. É uma
demonstração de força, por parte de países cuja hegemonia, sobretudo a
dos EUA, indiscutível no plano militar, vem sendo cada vez mais posta
em dúvida no plano político. O que Hillary Clinton pretendia, além de
conter o ímpeto do Irã, era “realinhar” o seu time, muito disperso e
tomado por disputas internas, como a da França e da Alemanha em torno
do euro. É verdade, ela terá razão em reclamar: a jogada do Brasil
atrapalha esse esforço, não resta dúvida. Mas não custa lembrar que o
assunto está na competência do Brasil, que ora tem um mandato
temporário de dois anos no Conselho de Segurança da ONU.

Aos descontentes com os novos ventos na política externa brasileira,
resta ainda o argumento de que tudo isso não passa de uma encenação
para que Lula ganhe o prêmio Nobel da Paz. É cedo para fazer
prognósticos. Mas e daí, se ganhar? Aí não haverá cotovelo nem unha que
chegue.

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