Treze
anos depois de sua morte, talvez nem mesmo Paulo Freire imaginasse que
continuássemos de tal forma atrasados em relação a um direito tão
fundamental para a pessoa humana como o direito à comunicação.
Venício
Lima
O Alice Kaplan Institute for the Humanities da renomada
Northwestern University, que fica em Evanston, na região metropolitana
de Chicago, liderou a realização de um grande evento para celebrar os 40
anos de publicação do livro “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire,
nos Estados Unidos. Entre os vários parceiros estavam o Center for
Global Culture and Communication e The Graduate School [cf.
http://www.humanities.northwestern.edu/news/workshoppage2.html].
Na
verdade, a edição americana do “Pedagogia do Oprimido” foi a primeira
de manuscrito concluído em 1968, no exílio chileno, que só veio a ser
publicado no Brasil, pela Paz e Terra, em 1974, durante os anos de
“abertura lenta, gradual e segura” do general Ernesto Geisel. O livro já
havia saído em inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, grego,
holandês e em Portugal. Desde então, foi publicado em sucessivas edições
em todo o planeta e continua sendo objeto de estudos em disciplinas tão
diversas como, por exemplo, teologia e teatro.
Direito à
comunicação
Além de ser a obra mais significativa do pensamento de
Freire, “Pedagogia do Oprimido” apresenta uma síntese da teoria da
comunicação dialógica, inicialmente desenvolvida no ensaio “Extensão ou
Comunicação?”, [original de 1968, publicado no Brasil em 1971], que
assenta as bases para o que se tornaria o conceito de direito à
comunicação.
Freire recorre à raiz semântica da palavra
comunicação e nela inclui a dimensão política da igualdade, a ausência
de dominação. Para ele, comunicação implica um diálogo entre sujeitos
mediados pelo objeto de conhecimento que por sua vez decorre da
experiência e do trabalho cotidiano. Ao restringir a comunicação a uma
relação entre sujeitos, necessariamente iguais, toda “relação de poder”
fica excluída. O próprio conhecimento gerado pelo diálogo comunicativo
só será verdadeiro e autêntico quando comprometido com a justiça e a
transformação social. A comunicação passa a ser, portanto, por
definição, dialógica, vale dizer, de “mão dupla”, contemplando, ao mesmo
tempo, o direito de ser informado e o direito à plena liberdade de
expressão.
As implicações do conceito articulado por Freire 40
anos atrás representam hoje um direito à comunicação que garanta a
circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na
sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão
individual. Essa garantia tem que ser buscada tanto “externamente” –
através da regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem
oligopólios; priorizando a complementaridade dos sistemas público,
privado e estatal) – quanto “internamente” à mídia – através do
cumprimento dos Manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a
imparcialidade e a objetividade jornalística. E tem também que ser
buscada na garantia do direito de resposta como interesse difuso, no
direito de antena e no acesso universal à internet, explorando suas
imensas possibilidades de quebra da unidirecionalidade da mídia
tradicional pela interatividade da comunicação dialógica.
PNDH3 e
autoritarismo
Enquanto a obra e o pensamento de Freire são
celebrados no exterior, na sua terra, a terceira versão do Plano
Nacional de Direitos Humanos, em particular, a única diretriz que propõe
um conjunto de ações para implementar o direito à comunicação, sofre um
processo de satanização por parte da grande mídia. É como se a proposta
representasse o derradeiro passo antes do autoritarismo e do
conseqüente fim das liberdades no país.
Treze anos depois de sua
morte, talvez nem mesmo Paulo Freire imaginasse que continuássemos de
tal forma atrasados em relação a um direito tão fundamental para a
pessoa humana como o direito à comunicação.
No Brasil, os grupos
dominantes ainda consideram que liberdade de expressão é igual a
liberdade de imprensa e que esta é aquela que apenas algumas famílias,
muitas vezes vinculadas a oligarquias políticas regionais e locais,
desfrutam. Qualquer proposta que tente alterar este estado de coisas é,
no mínimo, acusada de autoritária e stalinista.
Afinal, quem o
verdadeiro e único sujeito do direito à comunicação? Tristes tempos.