A cada ano, quando nos aproximamos
da data do golpe de 1964, uma
sensação incômoda se apossa da direita – dos partidos, políticos e dos
seus meios de comunicação. O que fazer? Que atitude tomar? Fingir que
não acontece nada, abordar de maneira “objetiva”, como se eles não
tivessem estado comprometidos com a brutal ruptura da democracia no
momento mais negativo da história brasileira ou abordar como se
tivessem sido vítimas do regime que ajudaram a criar?
Difícil e
incômoda a situação, porque a imprensa participou ativamente, como
militância politica, da preparação do golpe, ajudando a criar um falso
clima tanto de que o Brasil estivesse sob risco iminente de uma ruptura
da democracia por parte da esquerda, como do falso isolamento do
governo Jango. Pregaram o golpe, mobilizaram para as Marchas da
Família, com Deus, pela Liberdade, convocadas pela Igreja, tentaram
passar a ideia de que se tratava de um movimento democrático contra
riscos de ditadura e promoveram a maior ruptura da democracia que o
Brasil conheceu e a chegada ao poder da pior ditadura que conhecemos.
Na
guerra fria, a imprensa brasileira esteve plenamente alinhada com a
politica norteamericana da luta contra a “subversão” contra o
“comunismo”, isto é, com o radicalismo de direita, com as posições
obscurantistas e contrárias à democracia, estabelecida com grande
esforço no Brasil. Estiveram em todas as tentativas de golpe contra
Getúlio e contra JK. Em suma, a posição golpista da imprensa brasileira
em 1964 não foi um erro ocasional, um acidente de percurso, mas a
decorrência natural do alinhamento na guerra fria com as forças pró-EUA
e que se opuseram com todo empenho ao processo de democratização que o
Brasil viveu na década de 1950.
Deve prevalecer um misto de
atitude envergonhada de não dar muito destaque ao tema, com matérias
que pretendam renovar a ideia equivocada de que a imprensa foi vitima
da ditadura – quando foi algoz, aliado, fator no desencadeamento do
golpe e da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, Cães de guarda,
da Boitempo, continua a ser leitura indispensável para uma visão real
do papel da mídia no golpe e na ditadura.) Promoveu o golpe, saudou a
instalação da ditadura e a ruptura da democracia, tratou de acobertar
isso como se tivesse sido um movimento democrático, encobriu a
repressão fazendo circular as versões falsas da ditadura, elogiou os
ditadores, escondeu a resistência democrática, classificou as ações
desta resistência como terroristas – em suma, foi instrumento do regime
de terror contra a democracia.
Por isso a data é incômoda para a
direita, mas especialmente para a imprensa, que quer passar por arauto
da democracia, por ombudsman das liberdades politicas. Quem são os
Mesquitas, os Frias, os Marinhos, os Civitas, para falar em nome da
democracia?
Por isso escondem, envergonhados,
seu passado,
buscam a falta de memória do povo, para que não saibam seu papel a
favor da ditadura e contra a democracia, no momento mais importante da
história brasileira. Por isso tem que ressoar sempre nos ouvidos de
todos a pergunta: Onde você estava no golpe de 1964?